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sexta-feira, 15 de setembro de 2017

“EU CONSIGO LIDAR COM AS EMOÇÕES; O QUE EU NÃO AGUENTO SÃO OS FACTOS...”

                                                  
   João Tordo, O Deslumbre de Cecília Fluss

        

 Em O Deslumbre de Cecília Fluss assiste-se a um jogo pautado por vários níveis ainda que de forma muito subtil, com o leitor a ser, por sua vez, lembrado da sua condição, através de um narrador que também o interpela, que lhe lembra que é ele o destinatário de uma narrativa construída para o indagar acerca da mortalidade e da condição humana, conjugando-se para isso o racional e a fantasia, sem que a fronteira entre um e outra esteja latente. 
         Através das personagens do enredo explora-se a temática da solidão como ponto de chegada, a evolução e decadência da condição humana, o amor como ponte entre o prazer e a dor emocional. Assim, João Tordo pega na morte como catarse para regressar ao início, a Matias, um miúdo que é a transmutação dos narradores dos seus livros. Ele acaba por se tornar um homem, sempre muito ansioso e com vontade de paz, algo que não consegue alcançar, como quase toda a Humanidade aliás.
        
 O verdadeiro suspense em O Deslumbre de Cecília Fluss não está na resolução de um enigma, mas no labirinto de emoções, crenças, sonhos e pesadelos de personagens bizarras que servem para discorrer sobre a morte, o medo, a doença, a angústia, a religião, a mitologia e o sofrimento enquanto potência de vida numa teia que obedece a um único princípio: seguir um homem — com letra minúscula ou maiúscula — em dor. 
         À medida que ia lendo O deslumbre de Cecilia Fluss, fiquei com a sensação que o autor podia continuar a escrever esta estória para sempre porque, na verdade, nada acaba. Ela, de facto, situa-se em lugar nenhum, mas em todos os sítios simultaneamente. A busca não tem fim e a luta, a vida, ou o que se assemelha a ela, continuam. Há lições importantes para todas as personagens, mas sobretudo para o leitor. De uma forma muito geral fala-se de adolescência, amizade, amor, perda, medo, solidão e demência. Mas isso são apenas os meios de transporte utilizados para falar da vida e da condição humana - de que é que somos feitos? O que é que nos magoa (e porquê)? O que é que procuramos? Esta obra é portanto um convite à auto-análise, à reflexão sobre o sentido das coisas e ao apaziguamento do sofrimento que nunca parece terminar. 
         Com este romance partilhei a dor e a tentativa de fuga da realidade com Matias, a solidão e o desapego com Elias, a insatisfação e a desilusão com a Cecília e um pouco de loucura com todos eles. 

Rafaela Leite

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