João Tordo, O Deslumbre de Cecília Fluss
Em O Deslumbre de Cecília Fluss assiste-se a um jogo pautado por vários níveis ainda que de forma muito subtil, com o leitor a ser, por sua vez, lembrado da sua condição, através de um narrador que também o interpela, que lhe lembra que é ele o destinatário de uma narrativa construída para o indagar acerca da mortalidade e da condição humana, conjugando-se para isso o racional e a fantasia, sem que a fronteira entre um e outra esteja latente.
Através
das personagens do enredo explora-se a temática da solidão como ponto de
chegada, a evolução e decadência da condição humana, o amor como ponte entre o
prazer e a dor emocional. Assim, João Tordo pega na morte como catarse para
regressar ao início, a Matias, um
miúdo que é a transmutação dos narradores dos seus livros. Ele acaba por se tornar
um homem, sempre muito ansioso e com vontade de paz, algo que não consegue
alcançar, como quase toda a Humanidade aliás.
O verdadeiro suspense em O Deslumbre de Cecília Fluss não está na resolução de um enigma, mas no labirinto de emoções, crenças, sonhos e pesadelos de personagens bizarras que servem para discorrer sobre a morte, o medo, a doença, a angústia, a religião, a mitologia e o sofrimento enquanto potência de vida numa teia que obedece a um único princípio: seguir um homem — com letra minúscula ou maiúscula — em dor.
À
medida que ia lendo O deslumbre de
Cecilia Fluss, fiquei com a sensação que o autor podia
continuar a escrever esta estória para sempre porque, na verdade, nada acaba. Ela,
de facto, situa-se em lugar nenhum, mas em todos os sítios simultaneamente. A
busca não tem fim e a luta, a vida, ou o que se assemelha a ela, continuam. Há
lições importantes para todas as personagens, mas sobretudo para o leitor. De
uma forma muito geral fala-se de adolescência, amizade, amor, perda, medo,
solidão e demência. Mas isso são apenas os meios de transporte utilizados para
falar da vida e da condição humana - de que é que somos feitos? O
que é que nos magoa (e porquê)? O que é que procuramos? Esta obra é portanto um convite à auto-análise, à reflexão sobre o sentido das coisas e ao
apaziguamento do sofrimento que nunca parece terminar.
Com
este romance partilhei a dor e a
tentativa de fuga da realidade com Matias,
a solidão e o desapego com Elias, a
insatisfação e a desilusão com a Cecília
e um pouco de loucura com todos eles.
Rafaela Leite
Rafaela Leite
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