Como são adoráveis estes «nãos». Dois segundos depois de os
ouvir já sabemos que a conversa vai acabar no «sim» que ambicionávamos.
No entanto, não nos confundamos, aquele «não inicial» não
era um bordão linguístico à Simão Sabrosa, mas um «não» para marcar posição,
para explicar que a resposta até podia ser «não», mas atendendo à bondade,
inteligência, espírito de desenrascanço do nosso interlocutor estamos com sorte
e lá veremos o nosso caso resolvido. Não porque merecêssemos ou tivéssemos direito
a isso, mas porque o funcionário até está bem-disposto e sabe como contornar a
lei, as regras ou o horário de fecho da repartição.
O «não» que é um «sim» é uma maneira de mostrar poder e pretextar importância, quando o outro não tem a humildade suficiente de nos pedir “por favor, podia carimbar este impresso para entregar nas Finanças, aqui ao lado”. Ainda que não façamos mais do que a nossa obrigação, encontramos rapidamente uma desculpa qualquer para uma recusa inicial, para depois aparecermos como salvadores da situação.
Este código relacional tão português é uma prática tão
institucionalizada que ninguém se fica apenas com um «não», por mais categórico
que ele seja. Espera-se uns segundos, faz-se aquela cara de surpreendido,
reclama-se, apela-se à compreensão, à humanidade, ao buraquinho que toda a lei
ou norma sempre tem em Portugal, diz-se que o filho está no hospital ou que no
dia seguinte se parte em viagem para o estrangeiro e… espera-se. Não é preciso
muito, breves segundos depois chega o “Mas deixe-me cá ver…”.
Obviamente que ele já viu a solução há muito, mas gosta de
fazer sofrer o pobre diabo que precisa daquela fotocópia, daquela informação, daquele favorzinho que não é favor nenhum. No passado esperava também uma
gratificação extra, mas elas tornaram-se perigosas. Ficou a vaidade parola de
se sentir importante por breves segundos.
Gabriel Vilas Boas
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