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sexta-feira, 10 de setembro de 2021

OS GUINCHOS DA LEITÃO


 A ministra Alexandra Leitão volta a fazer furor. Mais uma vez pelos piores motivos, embora ao cidadão mais desatento ou simplesmente que  pensa apenas na sua vidinha e a dos outros que "se lixe", ela tenha estado brilhante.

Há poucos dias, num sábado (precisamente o dia em que quase todos os portugueses estão a trabalhar), a ministra foi alertada por um amigo, queixando-se que um utente estava há onze horas à espera, para ser atendido, numa loja do cidadão, por causa da emissão de um passaporte. Sem querer saber das razões, das circunstâncias do caso em concreto ou das explicações da responsável pela loja do cidadão, a ministra dirigiu-se à loja do cidadão em causa e deu uma descompostura à funcionária que estava atender um utente, para espanto de todos, pois fê-lo aos berros, e determinou que aquele utente, o do pedido de passaporte, tinha de ser atendido de imediato. 

Como é uma pessoa intelectualmente honesta, cumpridora da lei, que não exige aos subordinados aquilo que não é capaz de fazer, a ministra negou que tenha entrado aos berros pela loja do cidadão, que tenha imposto o atendimento a um amigo do amigo que se foi queixar do atraso do atendimento nas lojas do cidadão e conservatórias do registo civil. 

Ou seja, a ministra negou a grosseria, a humilhação que infligiu aos seus subordinados como nega que os serviços estão um caos por culpa do seu governo.

O público tem de conhecer os factos como eles são, avaliá-los e julgar com justiça. Não apenas atender ao seu caso, ao seu interesse momentâneo, naquele estilo "desde que resolvam o meu caso, ainda que tenha de usar uma cunha, quero lá saber do resto e dos outros."

Factos

1- O senhor não esperou 11 horas. A loja abre às 8.30h, as conservatórias às 9 horas. Mesmo que ele tivesse estado no atendimento desde o início, só às 19.30 ele podia fazer queixa à ministra que estaria há 11 horas à espera e só algumas horas depois a ministra conseguiria exercer o seu poder arbitrário. Se eu for para a porta de um serviço há cinco da madrugada e for atendido às dez horas, obviamente  o serviço público só me fez esperar uma hora para ser atendido e não cinco horas. 

2- As conservatórias e lojas do cidadão têm em falta, no mínimo, 1800 funcionários. MIL E OITOCENTOS! Ou seja, o governo diz que o quadro de funcionários é X, mas na verdade estão a trabalhar muito menos pessoas. Isto acontece porque, há  mais de dez anos, que o governo não repõe os funcionários que vão para a aposentação ou simplesmente abandonam os serviços. 

Um exemplo paradigmático: numa conservatória do registo civil, de uma cidade muito populosa nos arredores do Porto, há três anos havia três conservadores e sete funcionários. 

Hoje há uma conservadora (uma aposentou-se e outro concorreu para outra conservatória) e três funcionárias. Curiosamente, o Instituto dos Registos e Notariado atribuiu à única conservadora existente mais um trabalho: tratar dos  casos de nacionalidade dos sefarditas. Só esse trabalho ocupa a única conservadora duas  a três horas, por dia. Obviamente, muitos serviços como o cartão de cidadão ficam prejudicados. O cidadão que reclama sabe disto? Aprova esta gestão de quem manda nas conservatórias e lojas do cidadão?


3- Uma conservatória regista nacimentos, óbitos, organiza processos e celebra  casamentos, tira certidões de todo o tipo, trata de processo de nacionalidade, do pedido de passaportes, responde a emails dos utentes (trinta a quarenta por dia) e também faz e entrega cartões do cidadão. Para a maior dos utentes só faz isto.

4- Por exigência dos seus chefes, a conservadora ou uma funcionária tem todas as semanas de responder a inquéritos estatísticos sobre os seus serviços,  completamente inúteis, que ocupam em média três horas e ainda atrasam mais o serviço.

5- Cada funcionária têm a seu cargo dois ou três serviços diferentes e trabalha em média 9 horas por dia, ou seja, trabalha de graça duas horas por dia, que é como quem diz ou  44 horas por mês, ou seja, mais de uma semana em cada mês. Sabem quantas horas dá por ano? Quase 500!!!

6- Nas conservatórias de maior afluência, os funcionários são destratados, humilhados e insultados por alguns utentes que apenas querem tratar do seu caso, mesmo que isso seja à custa de passar à frente de toda a gente, muitas dessas pessoas com atendimento marcado há meses. É frequente a chamada da polícia para impor ordem mínima e assegurar a segurança dos funcionários ameaçados.

7- A cada dois/três meses, é normal uma funcionária "meter baixa" durante 15 dias, devido à exaustão física e psicológica... e o trabalho de dez, que quatro tentavam fazer debaixo de muita pressão e vários insultos, fica para três!

8- Particularizando o caso do cartão do cidadão: uma conservatória de média dimensão (como é o caso da Maia, Gondomar, por exemplo) apenas consegue colocar uma ou duas funcionárias com este trabalho. Tecnicamente, com todo o sistema informático a ter um bom desempenho, cada uma delas faz dois/três cartões por hora. Ou seja, a conservatória da Maia, Gondomar ou até Valongo consegue atender 18 utentes por dia, para o cartão do cidadão. Nalguns casos, pode duplicar. Em muitos destes sítios, as senhas às 9.30 h chegam ao número 50 ou 60!

9- Até Agosto, na sequência da pandemia, o atendimento nas conservatórias só era feito por marcação online.  Decisão do governo de Alexandra Leitão. Muitos utentes agendaram atendimentos para Setembro e Outubro. Quando questionadas as chefias sobre aceitação destas marcações, os funcionários das Conservatórias receberam resposta dúbias, mas o serviço central de Lisboa validou-as.


10- Há poucos dias, o governo da ministra Leitão publicou um Despacho que obriga todas as conservatórias e lojas do cidadão a fazer atendimento espontâneo, ou seja, quem chega à porta na hora tem de lhe ser atribuída senha e ser atendido. Nem que seja apenas uma ou duas senhas por dia. É como quem diz, para quem chegou às 8.30, ou no dizer de muitos utentes "de madrugada". Entretanto, há 18 pessoas ou mais, por funcionária, já com hora marcada para ser atendida, há várias semanas ou meses.

11- Obviamente, a maioria dos utentes não sabe e, pior, não quer saber disto para nada, a não ser que parte desta situação lhes calhe na pele, porque tem um familiar a trabalhar num destes serviços e vê o estado  psicológico lastimoso em que está.

12- À ministra Leitão e a todos os que lhe batem palmas, deixo um desafio simples: imaginem-se um dia funcionários de uma loja do cidadão, entrando às 8.30 e saindo às 19.30, seis dias por semana (só  não trabalham ao domingo, mas os conservadores nem isso, pois é raro o sábado ou domingo que não têm de ir a uma quinta celebrar um casamento, pagando gasolina e portagens do seu bolso). Imaginem que têm de cumprir não um serviço humanamente possível, mas aquilo que utentes e ministra acham que vocês têm de fazer. Na verdade, nunca seria menos de 30/40 cartões de cidadão / dia, por funcionária. Ou seja, 15 horas de trabalho por dia! Imaginem, ainda, que são insultados pelos utentes e destratados, em público, aos berros, pelos seus chefes. 

Se conseguirem fazer isto tudo, com um sorriso nos lábios, achando que os trabalhadores destes serviços são uma "cambada de malandros" que não fazem nada, o lugar é vosso. Podem começar amanhã. Daqui a alguns dias, podem contar com mais um utente para a fila das senhas. E quero ser atendido, nem que seja onze horas depois.

Gabriel Vilas Boas

    

domingo, 29 de agosto de 2021

PARA QUE SERVES TU ONU?


 

O que está acontecer no Afeganistão é profundamente triste e revoltante, especialmente porque altamente expectável. Particularmente chocante, para mim,  é aquilo que não se discute: a inação da comunidade internacional, que é como quem diz da ONU, neste processo de tomada de poder pelos talibãs.

Ninguém gosta dos talibãs mas também ninguém espera que mudem, por isso havia que ter sido prático e objetivo com os afegãos. A comoção e as lágrimas ocidentais são altamente hipócritas, pois esta situação era amplamente expectável há várias meses, precisamente desde que a administração Trump fez um acordo com os talibãs para a retirada dos soldados americanos do Afeganistão, à revelia das autoridades de Cabul.



Ora, toda a gente séria sabia perfeitamente o que aconteceria quando os americanos marcassem a data para a retirada após duas décadas de presença na região - os talibãs assumiriam rapidamente o poder. Houve tempo e modo de retirar do território afegão os 400 ou 500 mil afegãos que quereriam, por certo, abandonar o país. Mas não, deixou-se andar. 

De quem é a responsabilidade? Da ONU, antes de qualquer outra instituição. A organização dirigida pelo português António Guterres não tratou de ter um plano de contingência para a mais que certa crises humanitária no Afeganistão que vinha no calendário delineado por Trump e aceite por Biden. A casa comum das nações está transformada num peso morto, mastodôntico, que se limita a lamentar e condenar. 

A ONU tem de ser muito mais do que isso. Prever o que vai acontecer e encontrar soluções que protejam os direitos humanos, sabendo contornar os previsíveis direitos de veto dos hipócritas interesses dos países mais poderosos.   

Guterres tinha a obrigação de fazer melhor e não fazer-se de coitadinho. Muitas vidas perdidas e outras que se perderão inevitavelmente teriam sido salvas.

Gabriel Vilas Boas

segunda-feira, 9 de agosto de 2021

O BOM, O MAU E O PAROLO

 


A época que antecede qualquer eleição autárquica é sempre um altura em que o poder político revela o seu melhor e o seu pior, sem deixar de mostrar também o patético. Finalmente, aparece o dinheiro que não havia nos anos anteriores e as cidades tornam-se estaleiros de obras, procurando o poder autárquico mostrar trabalho feito, como se não tivesse havido três anos e meio para o realizar. É uma estratégia um pouco tola e algo dispendiosa, mas que a maioria dos políticos autárquicos aplica. Curiosamente nunca vi nenhum estudo de opinião questionar os cidadãos dos vários municípios portugueses se é uma estratégia adequada ou não, mas talvez interessa a quase todos manter o mistério sobre excelência da estratégia. 

Quanto a mim, não gosto de ver obras em ano de eleições quanto mais a dois meses de eleições. Acho que revela má consciência de quem sabia que devia ter trabalhado em tempo oportuno e não o fez, e demonstra também alguma falta de respeito para com os eleitores, pois toma-os por tolos, pensando «comprar o seu voto» com o tradicional foguetório de obras públicas, normalmente concentradas na sede do concelho.

Obviamente isto também se passa em Amarante, onde realmente faltavam (e continuam a faltar) alguns equipamentos públicos essenciais à população enquanto outros precisavam mesmo de ser remodelados. E foi isso que a Câmara  fez, acertadamente. Na recuperação de bairros sociais, na requalificação de equipamentos culturais, na facilitação rodoviária, na construção do trilho das azenhas. Opções certeiras, mas que deviam ter sido feitas e concluídas há mais tempo e jamais deviam estar a ser realizadas em tempo de eleições. 


No entanto não existem só coisas positivas. Algumas há até bastante negativas, umas por ação outras por omissão. A pior de todas: a construção de um parque de estacionamento na margem do rio Tâmega, bem junto à água. Contra toda a lógica de proteção e defesa do ambiente. Numa altura em que se quer restringir o trânsito automóvel dentro das cidades, Amarante constrói um parque de estacionamento para embelezar a margem do seu lindo rio. Inqualificável do ponto de vista ambiental, desnecessário para as necessidades de uma população habitual a rondar os dez  mil habitantes, um erro crasso para aquilo que se devia pretender para  o futuro da cidade e para o rio.

Esta medida é tão negativa que imensos amigos, vindos de fora da cidade, me questionam «Como é possível os amarantinos "deixarem" erguer uma coisa destas?! Como não se revoltam?!» 


Depois há o tipicamente parolo: os cassapos. no rio Tâmega. E logo o Tâmega que tem/tinha belas gaivotas e as tradicionais gigas que tão bem representavam  a cidade de Teixeira de Pascoaes. Em breve, Amarante será o gozo dos turistas, pelo menos, aqueles que tenham um bocadinho, só um bocadinho, de bom gosto e um pouco de conhecimento das tradições portuguesas e da cidade de Amarante. Estão a ver os cassapos na ria da Aveiro em vez dos moliceiros, não estão? Eu também não!  E duvido que o presidente da Câmara de Aveiro ou os aveirenses permitissem tamanho desaforo.

Uma palavra final para o que ainda ficou de fora e já devia estar feito há mais de duas décadas: um parque infantil público, no centro da cidade, totalmente dedicado às crianças; um pavilhão municipal com dimensões oficiais, de maneira a que a seleção nacional de voleibol ou de andebol ou de basquetebol ou de futsal pudesse disputar um jogo internacional na nossa cidade, algo nunca aconteceu. 


P.S. Amarante é uma cidade em transformação, para melhor, mas o seu atraso em relação às cidades vizinhas não permite erros nem parolices. Honrar compromissos não é mais do que a obrigação de uma pessoa de bem e portanto nada de mais para quem quer servir a causa pública. A cidade também precisa mais do que IMAGINAR, precisar de concretizar algumas ideias válidas e consensuais, mesmo que isso significa algum sacrifício político. Mais importante que quem faz é aquilo que se faz. 

Que seja útil, belo e reprodutor. 

Gabriel Vilas Boas

quinta-feira, 5 de agosto de 2021

CUSPIR NO OURO QUE COMEU



A maneira como alguns medalhados olímpicos recebem o tão almejado prémio do seu esforço, talento e trabalho, nos Jogos Olímpicos de Tóquio, está  a ser cruelmente revelador do seu carácter.

Recentemente, o inglês Ben Whittaker resolveu não colocar no peito a sua medalha de prata, porque o cubano Arlen Lopez cometeu a ousadia de ser melhor do que ele no combate de boxe olímpico, na categoria de meios-pesados (-81 kg). Sem o mínimo de consideração e respeito pelo seu colega cubano, o inglês declarou: “Não conquistei a prata, perdi o ouro!”. Sim, porque o ouro era dele, à partida, e os oponentes estavam em competição apenas para dar lustro à sua vitória.


A mesma cena triste já se tinha passado na final do Campeonato da Europa de Futebol, jogo que opôs a Inglaterra à Itália, em Londres, e decidida, favoravelmente, nas grandes penalidades, aos transalpinos. Na cerimónia da entrega de medalhas, os jogadores ingleses portaram-se de maneira indecorosa, ao receberem as medalhas de vice-campeões com enfado, retirando-as de imediato do pescoço como se fosse alguma coleira cheia de pulgas.

Nesta madrugada o português Pedro Pablo Pichardo garantiu a quinta medalha Olímpica de sempre para Portugal. Entre os muitos milhares que o felicitaram, alguns houve também que se referiram a Pichardo como o luso-cubano ou simplesmente «o cubano», exibindo um desprezo por alguém que decidiu pedir a nacionalidade portuguesa e se dispôs a competir, com todo o seu talento, debaixo da bandeira nacional. Só não disseram que voltasse para a terra dele, porque estavam interessados no ouro que brilhava no seu peito. Mesmo sabendo das afrontas, Pedro Pichardo respondeu com a elevação dos campeões: «Este ouro tem um significado muito grande, pois é a única forma de agradecer ao país que me apoiou desde o primeiro dia. Agradecer com medalhas e bons resultados.”

A dignidade e a nobreza de carácter são medalhas de ouro ao alcance de todos, mas nem todos a sabem conquistar. Uma pena que aconteça em Portugal, um país onde escasseiam medalhas olímpicas e das outras também.
Gabriel Vilas Boas

domingo, 1 de agosto de 2021

QUEM INVENTOU OS ÓCULOS?


Os óculos são dos poucos inventos produzidos durante a Idade Média. Das suas origens pouco se sabe, muito menos quem foi o seu inventor. Certezas, e relativas mesmo assim, só quanto à data: terá sido por volta do século XIII, algures na europa. Possivelmente, terá sido um invento anónimo, fruto da necessidade, desenvolvido e aperfeiçoado, depois, por várias pessoas. 

Eis alguns factos que ajudam a clarificar a história deste invento extraordinário. 

Um dos primeiros nomes nomes apontados é do frade inglês Roger Bacon, que teria delineado os princípios para a fabricação de lentes, na sua Opus Majus (cerca de 1266). Contudo, não existe qualquer prova que Bacon tenha posto as suas teorias em prática.


A pista seguinte vem de um sermão pregado em Florença por Giordano da Rivalto, um frade de Pisa, em 1305, em que refere que a arte de fazer óculos não teria mais de vinte anos. No mesmo ano, no livro  Lilium Medicina, Bernard de Gordon faz referência a uma loção que permitiria aos idosos ler sem ter que usar óculos. Uma outra crónica refere o nome de Alessandro Della Spina, um frade dominicano de Pisa, que morreu em 1313, que teria aprendido a arte de fabricar lentes de outra pessoa,  que não se menciona. Regista-se ainda o nome de Guy de Chauliac: na obra La Grand Chirurgie, refere-se o uso de óculos para casos em que a aplicação de uma loção se revele insuficiente. Isto é em 1363.


Há também representações visuais destes primeiros óculos. Há quem considere que esta primeira representação data de 1352, num fresco na Basílica de San Nicolo, em Treviso, no norte de Itália. Nesse desenho  surge o cardeal Hugo da Provença, usando um par de óculos em tudo parecidos com os atuais. No mesmo fresco surge também o cardeal Nicolau de Ruã, lendo um livro com um objeto em tudo semelhante a uma lupa. Alguns anos mais tarde, por volta de 1375, São Paulo é retratado usando óculos, numa iluminura francesa  da Bíblia. 

Na literatura aponta-se o nome de Franco Saccheti, que numa obra de ficção, de 1358, põe uma personagem a usar óculos.

Em suma, as certezas são poucas e as dúvidas são muitas. Certo é que os óculos são uma invenção anónima, possivelmente do século XII ou XIII, usados, e possivelmente inventados, em ambiente monástico, o que não admira, pois eram os conventos os grandes centros difusores da cultura na Idade Média.       

sábado, 31 de julho de 2021

O ESTILO E O GLAMOUR DE UNS COMEÇA NA ESCRAVATURA E INDIGNIDADE DE OUTROS

 


O premiado cartoon de Vasco Gargalo é um murro certeiro na nossa noção de dignidade coletiva. Nele, o cartoonista português desenha uma mulher elegantemente vestido e ao seu lado uma pessoa de joelhos a costurar esse vestido extraordinariamente glamouroso,  debaixo de uma máquina de costurar com o mapa do mundo.

Mais importante que o prémio da OIT e da ONG "Recursos Humanos Sem Fronteiras" é todos refletirmos no mensagem do desenho. O trabalho é fundamental, mas a escravatura é desprezível. E nenhuma circunstância justifica que nos aproveitemos das condições precárias de um povo, de um género ou de uma classe social para obtermos a um custo estupidamente baixo da mão de obra de um produto refinado e caro.

No negócio há espaço para o lucro e para a dignidade do trabalho. Essa dignidade repercute-se essencialmente no modo como é pago e nas condições de trabalho de quem o executa. Não há estilo nenhum numa joia ou num vestido ou nuns sapatos feitos por mãos escravas, ainda que essa escravatura não seja oficial. 

O  trabalho é feito por pessoas e para as pessoas. Se no processo, alguém vê a sua dignidade pessoal e profissional comprometidas, então o consumidor final não pode lavar daí as mãos como Pilatos. É ele que têm o poder de não pactuar com a degradação do ser humano. Não é uma questão de preço nem de "não tenho a nada a ver com isso". Temos  todos a "ver com isso", porque a defesa da nossa dignidade começa na defesa e dignidade daqueles que são extramente pobres e muitas vezes precisam de trocar um pouco da sua dignidade por um prato de sopa.

Gabriel Vilas Boas

quinta-feira, 29 de julho de 2021

PERCEBI QUE SOU MAIS DO QUE AS MINHAS CONQUISTAS

 Simone Biles, um nome, uma
mulher, uma personalidade a memorizar. Provavelmente, a História apenas anotará os seus feitos enquanto tetra campeã olímpica de ginástica e, numa pequena nota de rodapé, fará referência ao modo inusitado com decidiu abandonar o palco. É isso que hoje é notícia, mas não será isso que ficará nos livros de recordes. Pouco importa. Todavia importa refletir nas palavras e nos atos de Simone Bailes na hora  do adeus.

Depois de tantas e tantas conquistas, feitas de modo categórico, Biles chegou aos jogos olímpicos de Tóquio 2020 (2021) e decidiu desistir da final de All-around (final individual) e da prova por equipas, por não se sentir bem mentalmente.

Não é de todo normal uma atleta de alta competição tomar uma atitude desta magnitude, o que não quer dizer que não haja vários atletas a enfrentar graves psicológicos e físicos, enquanto disputam grandes competições, mas que decidem esconder, por vergonha, pressão exterior, por sentir que  a hipótese de uma medalha, um diploma, uma participação honrosa valem todos os sacrifícios, por mito dolorosos que sejam.

N verdade não valem. E Simone Biles aproveitou os seus últimos momentos de fama mediática para chamar atenção para o problema, fazendo-se, também aqui, um exemplo a seguir.


Diz Biles:

«Assim que piso o praticável, sou e e a minha cabeça a lidarmos com demónios. (...) Tenho  de fazer o que é melhor para mim e focar-me na minha sanidade mental e não comprometer a minha saúde e o meu bem-estar.»  

A clareza de Simone Biles é uma lição que devemos aprender. Treinadores, dirigentes desportivos, apreciadores de desporto ou meros cidadãos que admiram orgulhosamente os melhores atletas de cada modalidade. Por muito talento e capacidade física, desportiva e psicológica que eles possam ter, são antes de mais pessoas. Há limites que nunca devem ser ultrapassados, ainda que tal seja possível. Admiramos as suas performances porque elas são feitas por PESSOAS, não por máquinas. Cada pessoa tem direito a definir os seus limites e ninguém tem o direito a pedir-lhe que os ultrapasse por causa de uma medalha, um título, um honra, pois esta será sempre efémera e sobretudo de muito menor valor que a saúde e a dignidade pessoal do atleta.

 No seu Twitter, Biles resumiu o essencial.

«A onda de amor e o apoio que recebi fizeram-me perceber que sou mais do que as minhas conquistas e de que a ginástica, o que nunca verdadeiramente acreditei antes.» 

segunda-feira, 26 de julho de 2021

A INVENÇÃO DA PÍLULA

 

Desde os seus primórdios que a humanidade procurou controlar todos os aspetos da sua vida, e a sexualidade nunca foi exceção. Embora houvesse métodos contracetivos, utilizando curvas, por exemplo, só no século XX irá surgir o método contracetivo por excelência, tão eficaz que a sua comercialização levou a uma revolução: pela primeira vez  as mulheres passavam a ter o controlo da sua sexualidade e, por inerência, da sua vida.

Pode-se traçar a origem da pílula no ano de 1951, quando Margaret Sanger e Gregory Pincus se encontraram, e Margaret convence Pincus a  criar um medicamento contracetivo. Margaret Sanger era uma defensora dos direitos das mulheres, uma percursora dos planos de «controlo da natalidade», já Gregory Pincus era uma endocrinologista com créditos firmados.



John Rock - Margaret Sanger - KhaterineMcCormick

No mesmo ano, Carl Djarassi, químico a exercer na cidade do México, sintetiza e cria a contraceção química, mas não tem meios para a produzir e comercializar. Quanto a Pincus, no ano seguinte, 1952, conjuga esforços com John Rock, ginecologista, para começar a testar a pilula em seres humanos. Os testes começaram em 1954, financiados por Khaterine McCormick,  milionária, bióloga e ativista, e o resultado é definitivo: a pílula funciona. Dois anos depois, são conduzidos testes em larga escala em Porto Rico, onde as leis anticontracetivas eram mais frouxas. Apesar dos muitos efeitos secundários registados a pílula continuava a funcionar. 


Inventada que estava a pílula, havia então que a aprovar para comercialização, o que se revelaria moroso, pois trata-se de um medicamento revolucionário. A primeira aprovação  dá-se em 1957, mas apenas para tratamento de dores menstruais; o seu uso para fins contracetivos teve de esperar por 1960. O Enovid foi aprovado nos EUA pela Food and Drug Administration (FDA), e, a partir daí, o êxito foi estrondoso: ao fim de dois anos já 1,2 milões de americanas tomavam a pílula; um ano depois já eram 2,3 milhões. Em 1965, eram 6,5 milhões. No entanto, a par do êxito, veio também a polémica: em vários estados norte-americanos, a pílula foi ilegalizada, o papa condenou-a. Contudo, e apesar das vozes contrárias, a pílula instalara-se, e o seu uso generalizou-se com os anos. 

Na minha opinião, a pílula constituiu-se como um elementos fundamental da emancipação das mulheres, permitindo o seu acesso ao emprego em igualdade de circunstância com o homem. A pílula contribui de maneira decisiva para a criação de uma sociedade mais justa.

domingo, 25 de julho de 2021

MENTIROSOS E HIPÓCRITAS SOMOS TODOS NÓS

 

Quem é que não se tem divertido com a revelação de algumas conversas íntimas do presidente do Real Madrid, Florentino Pérez, que estão a ser divulgadas pelo jornal espanhol El Confidencial? Descontando o caso em que ele dá a entender que Pinto da Costa desviou para contas particulares na Suíça parte do dinheiro da transferência de Pepe para o Real Madrid, o que já foi prontamente esclarecido pelo próprio FC Porto e desmentido pelo próprio Pérez, e que terá sido só uma mau exemplo do que normalmente acontece, foi tudo cómico, acendendo sorrisos por todo o lado. Afinal, é sempre um prazer ver reacender os resquícios de sinceridade tremeluzindo no meio de tanta conveniente hipocrisia.


Diz Florentino Pérez que as suas declarações foram retiradas  do contexto. E em que contexto é que serão aceitáveis frases como «Figo é um filho da p...»? Melhoria seria que apelasse á nossa benevolência, pois, em última análise, todos somos Florentino Pérez, ou não vivêssemos num mundo que baniu a sinceridade da esfera pública, por só servir para gerar conflitos. Só na sua intimidade as pessoas podem entregar-se ao luxo da honestidade e da transparência e dizer o que realmente pensam dos outros. Em público estão obrigadas a colocar a máscara da hipocrisia e a debitarem mentiras convenientes. Verdades privadas, públicas mentiras. O que Florentino Pérez diz naquelas gravações de Figo, Mourinho e Ronaldo, por exemplo, é muito parecido com o que Figo, Mourinho e Ronaldo diziam dele quando chegavam a casa. Só que estes tiveram a sorte de não serem escutados por uma parede com ouvidos, e com um gravador incorporado. 


Quer dizer, não vale a pena esconder que mentirosos e hipócritas somos todos nós. Ou já não estaríamos vivos. Daí que, neste caso, a figura mais antipática acabe por ser o denunciante, que não respeitou esse supremo direito que nos assiste. Qual? O de sermos um bocadinho sinceros quando ninguém nos está a ouvir. Não é pedir muito, pois não?

Temos a sinceridade e a verdade em muito boa conta, mas no nosso trato quotidiano e público, elas presidem a uma ausência. Ou seria impossível a convivência (mais ou menos) pacífica. A mentira e a hipocrisia têm pior fama, mas são mais úteis no meio social, onde funcionam como amortecedores de conflitos e tensões. Graças a essa prática constante, a esse padrão, a capacidade de fingir do ser humano teve um desenvolvimento extraordinário. Ao ponto de a «máscara» (a palavra «hipocrisia» foi originalmente usada para qualificar atores que ocultavam a realidade por trás da máscara) se confundir com o rosto e já não ser possível separá-los. A nossa máscara é o nosso rosto, o nosso rosto é a nossa máscara. Já repararam nisto? E também que é cada vez mais difícil fazer certas distinções?


Cristiano Ronaldo é um imbecil e Mourinho é um anormal. Ambos têm um ego monstruoso e estão sempre com aquele ar de desafio que os torna insuportáveis. 

Isto é mentira, quer dizer, verdade. 

Cristiano Ronaldo é culto, inteligente, e Mourinho é uma simpatia. São ambos muito humildes e cultivam uma simplicidade que os torna cativantes.

Isto é verdade, quer dizer, mentira.

Álvaro Magalhães, escritor.

sábado, 24 de julho de 2021

DONA CARLOTA JOAQUINA, A RATAZANA


Tanto a Corte como o povo odiavam esta feiíssima, ninfomaníaca e intriguista princesa espanhola, mulher do pobre e fraco rei D. João VI. 
Razões não faltavam: Carlota Joaquina (1775-1830) traía o marido colecionando amantes, defendia os interesses do seu país natal em detrimento dos daquele de que era rainha, defendeu a causa do absolutismo contra o constitucionalismo, apoiando as revoltas “caceteiras” do seu filho D. Miguel, suspeita-se mesmo de que tenha envenenado o marido, que acusava de ser incapaz de governar. Não há dúvida de que Carlota Joaquina sonhava vir a tornar-se regente do nosso país, ao mesmo tempo que ambicionava a Coroa de Espanha.

No tempo em que a Corte portuguesa esteve sediada no Rio de Janeiro para evitar a abdicação face a Napoleão, a “Megera de Queluz” manobrou para vir a constituir para si própria um reino nas províncias espanholas da parte mais meridional da América do Sul. Aliás, no Brasil, “a Ratazana” é ainda mais odiada do que em Portugal: é voz corrente que detestava aquele país, e a cultura popular de além-Atlântico faz eco dessa convicção. Vejamos o que diz...

O ano de 1816 é o da morte, no Brasil, da rainha D. Maria I. Afastada dos negócios do Estado, vários anos antes, por loucura, fora, entretanto, substituída, no governo do reino, pelo seu filho, o regente D. João, agora el-Rei D. João VI. Foi nessa data que me tornei, em terras brasileiras, rainha consorte de Portugal. Para celebrar, encarreguei a baronesa Ardisson de me fazer, em Paris, umas compritas. (…). Joias, roupas, lingerie, sapatos, luvas, meias, cosméticos e acessórios (mais de 500 lenços de mão, por exemplo), calçado em seda bordada, meias da melhor seda transparente e leques de várias qualidades de marfim estão entre os artigos adquiridos junto dos melhores estilistas, joalheiros e retalhistas da moda parisiense. Posso ter ficado para a História como uma das grandes vilãs de Portugal, mas tinha bom gosto. (…)


Nunca pude adivinhar que a tenacidade de D. Pedro o levasse ao ponto de abandonar a sua terra adotiva, agora transformada em império, para regatear a sórdida porção europeia que teimava em reivindicar para a filha. Nunca pude adivinhar que Maria da Glória, numa digressão pela Europa, se tivesse tornado amiga de brincadeiras de bonecas da pré–adolescente da sua idade, e sua prima, Vitória, futura rainha Vitória, da Inglaterra. E nunca pude adivinhar – nem a isso assisti viva – que Pedro haveria de abdicar de duas Coroas, a de Portugal, a favor da filha, e a do Brasil, a favor do seu filho homónimo, para embarcar rumo à Europa, tornando-se um mero e errante duque de Bragança, sem terra nem trono, só para dirigir as tropas que haveriam, contra Miguel, de conduzir Maria da Glória ao trono. Maldito seja nos infernos! (…)
Os vencedores da História esquecem-se de contar que a grande maioria do povo, ferida no seu orgulho pela perda da grande colónia das Américas, estava com D. Miguel. Hoje, os seus detratores chamar-lhe-iam, sem dúvida nenhuma, um populista de extrema-direita…»

terça-feira, 20 de julho de 2021

OS PORTUGUESES FORAM ENSINANDO OS INGLESES A TER MANEIRAS E BOM GOSTO


 De tempos e a tempos, os portugueses gostam  de lembrar aos ingleses que o chá foi introduzidos em terras britânicas pela infanta dona Catarina de Bragança, filha do rei D. João IV, e esposa de Carlos II de Inglaterra. No entanto, a presença de Catarina deixou outras marcas de bom gosto e boas maneiras na corte inglesa, que os altivos ingleses teimam em ignorar.

Quando Catarina foi para Inglaterra, os portugueses já conheciam o chá, que haviam trazido da China, e foram os primeiros a comercializá-lo na europa. Assim, por ter o hábito de o tomar regularmente, a rainha D. Catarina inventou o "five o'clock tea", tal como introduziu o consumo da "marmelade"  (geleia de laranja amarga). Pela mão dos portugueses introduziu-se, igualmente, em Inglaterra o uso do tabaco e dos talheres, dois elementos fundamentais  de civilidade, boas maneiras e bom gosto, que os ingleses tanto gostam de exibir, sonegando, todavia, com quem os adquiriram.

A relação privilegiada entre Portugal e a Grã-Bretanha levou ainda a que uma importante classe mercantil inglesa se estabelecesse no Porto, contribuindo decisivamente para o desenvolvimento da cidade. Um belo símbolo dessa relação é o edifício da Feitoria inglesa, contruído em 1790. O comércio na cidade portuense  beneficiou bastante com este entendimento entre os dois povos de tal modo que na primeira metade do século XVIII, cerca de 75% dos navios que ancoravam na cidade invicta eram ingleses e amiúde enchiam-se de cevada, arroz, centeio,  laticínios, carnes secas, bacalhau, além do famoso vinho do Porto, que depois eram levados para consumo dos britânicos.

Nem só de vinho e chá se fez a relação comercial entre Portugal e Inglaterra, embora tenha sempre faltado um pouco de chá, aos ingleses, para reconhecerem os factos.

Gabriel Vilas Boas  

segunda-feira, 19 de julho de 2021

ALVES DOS REIS, O PRIMEIRO GRANDE BURLÃO DA HISTÓRIA DE PORTUGAL



Agora a televisão está cheia de burlões de tantos milhões que até sorrimos com bonomia, quando nos lembram o primeiro de todos: ALVES DOS REIS.
No entanto, de quando em quando, a RTP encarrega-se de nos refrescar a memória acerca deste figurão inteligente e bem-falante, com uma série inspirada na sua vida e nas suas façanhas à margem da lei. 
A fama de Artur Virgílio Alves Reis (1898-1955) extravasa das fronteiras portuguesas, pois mais ninguém, que conste, conseguiu falsificar dinheiro verdadeiro…

Filho de um cangalheiro, embarcou jovem para Angola, onde se fez passar por engenheiro, falsificando um diploma de Oxford. Ali, enriqueceu comprando, com um cheque sem cobertura, a maioria das ações de uma companhia ferroviária. De regresso a Lisboa, adquiriu uma empresa de revenda de automóveis norte-americanos passando um cheque sem provisão que, depois, cobriu com os fundos da própria firma. Com o dinheiro restante, tentou adquirir uma empresa mineira de Angola, mas descobriu-se a fraude e ele lá foi fazer uma visita à cadeia. 
Defendendo-se bem, conseguiu ser libertado, após o que concebeu o plano de encomendar uma grande quantidade de notas de 500 escudos à própria casa impressora britânica que costumava imprimir o dinheiro português por encomenda do Banco de Portugal. Desta avalanche de dinheiro falso, que era “verdadeiro”, meteu ao bolso 25%, quantia com a qual fundou o Banco Angola e Metrópole, jogou fortemente na Bolsa, comprou um palácio e três quintas, tornou-se proprietário de uma empresa de táxis, encheu a mulher de joias e tentou apoderar-se do Diário de Notícias. O seu objetivo último era comprar o número de ações do Banco de Portugal (que, na altura, era semiprivado) necessário para poder abafar o escândalo das notas, na eventualidade de a maquinação ser descoberta.

Foi mesmo descoberta, e Alves dos Reis condenado a uma pesada pena de prisão. Seria libertado em 1945, com 47 anos, e morreria de ataque cardíaco, uma década mais tarde. Vamos dar-lhe a palavra.

«Meus senhores! Eu sou um honestíssimo empreendedor, cujos meios de fortuna nada ficam a dever aos grandes financeiros do vosso século. Parafraseando um posterior colega meu, que vós deveis conhecer bem, tudo o que fiz foi “para ajudar a banca nacional”. (…) Fiquei conhecido, sobretudo, pelo golpe das notas de 500 escudos, com a efígie de Vasco da Gama. De forma difamatória, fui acusado de falsificação. Mais do que um equívoco, tal acusação é uma fraude – e em fraudes, farão a justiça de reconhecer, serei eu uma autoridade. (…) 


Se eu alguma vez falsifiquei alguma coisa, essa coisa não foram notas de banco. Talvez umas assinaturas. Se calhar um ou outro documento oficial. E claro, com a tenra idade de 18 anos, um magnífico diploma de engenheiro, da própria Universidade de Oxford, uma das mecas do Ensino Universitário mundial, certificado pela prestigiadíssima Polytechnic School of Engineering – instituição, aliás, inexistente. Ora, mas quem nunca?…
(…) Se adquirisse as ações da empresa, mediante o pagamento com um cheque careca (…), poderia vendê-las a tempo de dotar a conta de provisão, ainda antes de ele ser descontado. (…) Se fosse no vosso século, teria pedido emprestado ao banco para comprar as ações, dando por garantia os próprios títulos. (…) É um esquema genial, reconheço, e tiro o meu chapéu aos que, depois de mim, inventaram este tipo de estratagemas…»

domingo, 18 de julho de 2021

NÃO QUEREMOS MIGALHAS

 Não há ideologia que resista à fome e à doença. Os cubanos estão sem medicamentos e sem alimentos e não apenas por causa do embargo dos ianques ou dos constrangimentos da Covid 19. Falta o essencial porque o governo comunista não permite (não permitia, pois agora permite mas em pequenas e isuficientes quantidades) que os cubanos trouxessem comida e medicamentos para dentro de Cuba.

Os cubanos perderam a paciência com um regime caduco, autista e egoísta; vieram para a rua, protestando contra a morte lenta de um povo que tem sede e fome de tudo,  a começar pela liberdade. 

Sente-se que, mais ano menos ano, o regime, corporizado pelos Castro cairá, pois é uma árvore seca, sem vida nem futuro, apenas atrapalhando o futuro de gerações de cubanos que têm de fugir da sua amada pátria para sobreviver. 

É dilacerante ver inúmeros cubanos chegarem a outros países, inclusive a Portugal, e pedirem a nacionalidade desses países,  como se estivessem zangados e desiludidos a sua pátria. Penso, por exemplo, no caso do atleta do triplo salto português, Pedro Pablo Pichardo, ou no tristemente malogrado andebolista Alfredo Quintana.

Não acho que tenham deixado de amar a terra onde nasceram, mas estavam fartos de mentiras, de vãs ilusões; tinham fome de liberdade e necessidade de comida. Precisavam de resgatar as suas vidas às mãos de uma ideologia que há muito deixou de fazer sentido. Cuba  é um velho general trôpego, perdido no seu labirinto de contradições tontarias. 

Ser revolucionário, hoje, em Cuba, é permitir que os cubanos escolham Cuba para viver e não sejam obrigado a permanecer em Cuba para morrer. 

Ironicamente, os cubanos cumprirão o desejo de Che Guevara - "HASTA  LA VITORIA, SIEMPRE!", derrotando aqueles que lhes prometeram a liberdade e a justiça e hoje os aprisionam num mundo que já não existe.

Como fazem sentido  nos dias de hoje as palavras de Diego El Cigala

"Y aunque tú
Me deseabas en el abandono
Y aunque tú
Han muerto mis ilusiones
En vez
De maldecirte con justo encono
En mis sueños te colmo
Y en mis sueños te colmo de bendiciones
Sufro la inmensa pena de tu extravío
Siento el dolor profundo de tu partida
Y lloro, sin que tú sepas que el llanto mío
Tiene lágrimas negras
Tiene lágrimas negras como mi vida"


sábado, 10 de julho de 2021

PRISÃO É PARA POBRE, RICO PAGA CAUÇÃO

Finalmente chegou a vez de Vieira. Ao contrário do que muitos pensavam, já nem o Benfica lhe valeu, exatamente porque o lesado era o Benfica. 


Vieira andou anos a enganar o novo Banco e, por consequência o erário público; 

Joe Berardo já nem se lembrava do tempo em que, com o beneplácito dos governos socialistas de Sócrates e Costa, pedira dinheiro à Caixa para tentar comprar o BCP, a mando dos amigos socialistas; 

Ricardo Salgado anda tão cansado que nem ao próprio julgamento se digna ir. Passaram longos anos sem que esta gente fosse sequer incomodada. 

Hoje têm todos mais de setenta anos. Prendê-los pareceria desumano e eles, obviamente, sabem disso, como sabiam todos aqueles que andaram anos a empastelar os processos, para que chegássemos a esta situação: só restar ,ao todo poderoso Carlos Alexandre, obrigá-los a pagar umas cauções de poucos milhões (uma espécie de trocos tendo em conta tudo aquilo de que são acusados de desviar ou roubar) e mandá-los para casa, onde aguardarão. pacientemente. que passem mais uns cinco a dez anos até que um outro juiz diga que têm de ir a tribunal por um quarto dos crimes que agora lhes são imputados.

 Provavelmente, quando esse julgamento pífio começar, alguns deles terão já perdido a convenientemente a memória dos factos e parecer-nos-ão velhos senis, prontos para morrer dali a pouco tempo.

Nenhum dos muitos milhões que desviaram para contas amigas será recuperado. No fundo, no fundo este dez milhões que Carlos Alexandre impôs a Vieira, José António dos Santos e Joe Berardo são uma espécie de esmola que os arguidos deixam aos contribuintes e nos fazem parecer ainda mais tolos.

Daqui a alguns meses, quando Vieira tiver mesmo saído de cena, não serão apenas os benfiquistas o alvo da chacota popular, mas todos os contribuintes portugueses,  a quem Vieira, Berardo, e Salgado tiveram a lata de sugar e gozar.

Esta justiça  mediática é o novo pão e circo, com que os tolos são enganados, roubados e, no fim, batem palmas. 

Precisamos de muito mais do que cauções ou prisões domiciliárias. Precisamos de impedir o crime, criando regras preventivas muito mais rígidas.  

Gabriel Vilas Boas

domingo, 27 de junho de 2021

QUE MÚSICA ESCUTAS TÃO ATENTAMENTE QUE NÃO DÁS POR MIM ?

 


Não sei como vieste,

mas deve haver um caminho

para regressar da morte.


Estás sentada no jardim,

as mãos no regaço cheias de doçura,

os olhos pousados nas últimas rosas

dos grandes e calmos dias de setembro.


Que música escutas tão atentamente

que não dás por mim?

Que bosque, ou rio, ou mar?

Ou é dentro de ti

que tudo canta ainda?


Queria falar contigo,

Dizer-te apenas que estou aqui,

mas tenho medo,

medo que toda a música cesse

e tu não possas mais olhar as rosas.

Medo de quebrar o fio

com que teces os dias sem memória.


Com que palavras

ou beijos ou lágrimas

se acordam os mortos sem os ferir,

sem os trazer a esta espuma negra

onde corpos e corpos se repetem,

parcimoniosamente, no meio de sombras?


Deixa-te estar assim,

ó cheia de doçura,

sentada, olhando as rosas,

e tão alheia

que nem dás por mim.


Eugénio de Andrade, in 'Antologia Poética

domingo, 20 de junho de 2021

É PENOSO VER QUE PORTUGAL CONTINUA UM PAÍS ATRASADO, APESAR DE TANTO APOIO

 Durante décadas entraram em Portugal milhões e milhões de euros em apoios comunitários e a vida dos portugueses melhorou um pouco, mas não tanto como o de outros cidadãos europeus que tinham piores vidas que as nossas há vinte anos.

Elisa Ferreira coloca a questão como ela deve ser colocada: é penoso, triste, incompreensível ver que Portugal é ainda um país da coesão, ou seja, um país que precisa da ajuda de outros países da UE. Um país que pensa como um adolescente, sempre a pedir mesada aos pais, apesar de já ter 35 anos de União Europeia e depois da sua entrada já ter visto mais 15 países entrarem para o clube europeu.

E a situação não tende a melhorar porque o governo português já nem quer dinheiro emprestado, quer dinheiro dado.

Desenvolver projetos em que tenha de colocar a sua parte (por mais pequena que seja) e dar conta da rentabilidade do investimento quase que deixou de ser opção estrutural. 

Pior que não ter dinheiro é não saber o que fazer com ele. Os portugueses sabem os restaurantes com estrela Michelin em Portugal, as aventuras do do rei Emérito de Espanha, os devaneios amorosos das estrelas de futebol portuguesas, mas não conhecem dez projetos portugueses que aplicaram, com sucesso, os fundos que a UE disponibilizou a Portugal. Muito menos sabem quais a empresas portuguesas que começaram por recorrer a esses fundos, mas atualmente já os dispensam porque ganharam asas suficientemente fortes para não estarem dependentes de ajudas. 

O que Elisa Ferreira não disse ou não quis dizer foi a razão pela qual o nosso país continua alegremente a fazer o papel de pedinte. 

Eis parte da resposta:


Corrupção e Incompetência. 
O palco é sempre ocupado por  quem desviou, por quem "roubou", por quem se deixou corromper. Para encontrarmos um bom exemplo de empreendedorismo temos de recorrer a um homem como Rui Nabeiro, que já fazia fortuna com preocupação social há cinquenta anos, ou seja, quando não havia fundos de coesão. 
Portugal não  tem falta de qualidade humana, nem técnica, mas continua, na minha opinião, com uma mentalidade pequenina, que acha que o futuro de uma nação se constrói segundo o paradigma  "temos de sacar uns milhões a Bruxelas", para fazer umas autoestradas e pagarmos mais uns grupos de estudos para o novo aeroporto ou para mais uma travessia sobre o Tejo ou o Douro. Tudo se resume, no fundo, em mais betão.
Onde estão as empresas nacionais do setor energético? Ou da área da medicina e do medicamento? Ou da produção alimentar? Se retirarmos as empresas ligadas aos serviços e turismo, quantas empresas nacionais temos com mais de dois mil trabalhadores?

Toda o adepto de futebol atira à cara  do presidente do Benfica os 100 milhões investidos na última época desportiva, na equipa de futebol, em que obteve zero títulos. Ninguém sabe sequer quantos milhões o governo de Portugal recebeu de Bruxelas nos últimos oito anos, nem o destino que lhes deu.

Gabriel Vilas Boas.


terça-feira, 15 de junho de 2021

O RONALDO DE QUE PORTUGAL PRECISA

 

Para Portugal, hoje «começa» o Europeu de futebol. A  lógica diz  que a Hungria é o adversário teoricamente menos  difícil, mas os húngaros jogam no seu Puskas Arena, num estádio estranhamente cheio de público. 

Que seleção teremos? Uma equipa que empata com os fortes e ganha aos fracos? Uma equipa que joga para Ronaldo ou uma seleção capitaneada pelo melhor futebolista português de sempre?

Ao final de cinco europeus,  Ronaldo ainda pode ser especial e  fazer a diferença, se tiver a inteligência de perceber que tem de ser diferente. Precisamos que tenha uma atitude de capitão, um pensamento coletivo e esqueça os recordes ainda por bater, por mais sedutores e gloriosos que sejam.

Um capitão disposto a fazer brilhar os colegas, para que estes não se sintam na obrigação de endossar a Ronaldo a glória do golo ou da vitória.

Não é fácil este novo papel de Ronaldo, até porque ele não está (nunca esteve) talhado para ele. Ronaldo é suficientemente inteligente para perceber que já não é o mesmo de há cinco anos, mas também não é certo que seja capaz de ser a mão que embala o campeão. Se o quiser ser, já é uma grande ajuda. Não pode é ficar a meio caminho na sua intenção. E talvez aqui seja a parte em que Fernando Santos tem de entrar. As suas últimas declarações ("A seleção tem de se adaptar ao facto de Ronaldo não defender") não me parecem as mais assertivas e revelam uma subserviência, ao craque madeirense, desnecessária. 

Ronaldo mantém o killer instinct dos predadores, a mentalidade dos vencedores, mas as pernas e o corpo não conseguem iludir os 36 anos. É a ele que cabe a decisão de tentar ser herói com outra capa. 

A seleção nunca foi tão coletiva e coesa, respeitada e consciente das suas forças e fraquezas. A Ronaldo, apenas se pede que seja o capitão de um grupo que ainda precisa muito dele para o fazer sair em glória.

Gabriel Vilas Boas

domingo, 13 de junho de 2021

NÃO FOI UM SUSTO, FOI UM AVISO


 Christian Eriksen foi um nome que muitos, ontem, repetiram, num misto de comoção, apreensão e alívio. O mais talentoso futebolista dinamarquês da atualidade esteve a muito pouco de marcar o Europeu do Covid da forma mais negra e dramática que um adepto do futebol poderia supor. 
De um momento para o outro, caiu inanimado no relvado e, por longos/breves minutos, milhões de espetadores temeram a sua morte. O coração teria colapsado, mas a rápida intervenção dos médicos impediu um final trágico.
Eriksen recupera no hospital e os colegas foram induzidos a voltar ao campo, onde perderam com a Finlândia. Nada daquilo fazia sentido já, mas o mundo do futebol há muito deixou de ser intrinsecamente humano. 

Hoje, o selecionador dinamarquês percebeu mais claramente o que ontem intuía  "Se calhar devíamos ter entrado no autocarro e vindo embora, veríamos o que aconteceria noutro dia. Mas foi uma decisão dura, difícil. É fácil olhar para trás e falar, mas tenho a sensação de que foi errado. Mas quero dizer que estou extremamente orgulhoso do grupo de jogadores que lidero e que, ontem, o futebol mostrou a cara certa".

Reagiu com a cara certa, mas anda com a postura errada há muito tempo. O futebol é um desporto e um negócio, mas continua a ser jogado por seres humanos e não por máquinas. Esta época desportiva foi jogada em condições pouco recomendáveis para a saúde dos atletas. Os melhores (aqueles que também estão agora a jogar o Europeu de Futebol) jogaram mais de cinquenta jogos, de grande nível de exigência física e mental, em oito meses, quando a época normal contempla dez.
Num ano de Covid, em que muitos jogadores ficaram infetados, obrigar estes homens a jogar de 4 em quatro dias (às vezes, de três em três), durante oito meses consecutivos, para que todas as competições nacionais e internacionais se cumprissem, foi um ato de insensatez, desumanidade e alta perigosidade para a saúde e para a vida dos jogadores. 


Aquilo que aconteceu ao dinamarquês Eriksen é, na minha opinião, uma consequência deste circo de feras em que se transformou o futebol, em que a morte por exaustão está cada vez mais perto de acontecer. Eriksen sobreviveu e o mundo do futebol respirou de alívio, pois sente a consciência pesada.


Os patrões do futebol precisam de perceber que os adeptos não amam um futebol desumano, ganancioso, ao serviço dos interesses televisivos. 
Podemos ter menos futebol. Se calhar precisamos de menos competição para voltarmos a gostar de futebol, sem nos preocuparmos com os milhões que os jogadores ganham, mas apenas com o bom futebol, com as vitórias, as derrotas e os empates. Precisamos de gostar dos jogadores e das equipas sem detestar os adversários. Diria mesmo que precisamos de reconhecê-los e admirá-los.
O fair play não é, nem pode ser, um quadro que fica bem mostrar numa publicação do Instagram ou do Twitter. 
A saúde mental, física, afetiva do futebol (jogadores, treinadores, adeptos, dirigentes) precisa que  este desporto nunca perca a humanidade.
O que aconteceu a Christian Eriksen não foi um acaso e esteve bem para lá de um susto, foi um AVISO.

Gabriel Vilas Boas