Quem é que não se tem divertido com a revelação de algumas conversas íntimas do presidente do Real Madrid, Florentino Pérez, que estão a ser divulgadas pelo jornal espanhol El Confidencial? Descontando o caso em que ele dá a entender que Pinto da Costa desviou para contas particulares na Suíça parte do dinheiro da transferência de Pepe para o Real Madrid, o que já foi prontamente esclarecido pelo próprio FC Porto e desmentido pelo próprio Pérez, e que terá sido só uma mau exemplo do que normalmente acontece, foi tudo cómico, acendendo sorrisos por todo o lado. Afinal, é sempre um prazer ver reacender os resquícios de sinceridade tremeluzindo no meio de tanta conveniente hipocrisia.
Diz Florentino Pérez que as suas declarações foram retiradas do contexto. E em que contexto é que serão aceitáveis frases como «Figo é um filho da p...»? Melhoria seria que apelasse á nossa benevolência, pois, em última análise, todos somos Florentino Pérez, ou não vivêssemos num mundo que baniu a sinceridade da esfera pública, por só servir para gerar conflitos. Só na sua intimidade as pessoas podem entregar-se ao luxo da honestidade e da transparência e dizer o que realmente pensam dos outros. Em público estão obrigadas a colocar a máscara da hipocrisia e a debitarem mentiras convenientes. Verdades privadas, públicas mentiras. O que Florentino Pérez diz naquelas gravações de Figo, Mourinho e Ronaldo, por exemplo, é muito parecido com o que Figo, Mourinho e Ronaldo diziam dele quando chegavam a casa. Só que estes tiveram a sorte de não serem escutados por uma parede com ouvidos, e com um gravador incorporado.
Quer dizer, não vale a pena esconder que mentirosos e hipócritas somos todos nós. Ou já não estaríamos vivos. Daí que, neste caso, a figura mais antipática acabe por ser o denunciante, que não respeitou esse supremo direito que nos assiste. Qual? O de sermos um bocadinho sinceros quando ninguém nos está a ouvir. Não é pedir muito, pois não?
Temos a sinceridade e a verdade em muito boa conta, mas no nosso trato quotidiano e público, elas presidem a uma ausência. Ou seria impossível a convivência (mais ou menos) pacífica. A mentira e a hipocrisia têm pior fama, mas são mais úteis no meio social, onde funcionam como amortecedores de conflitos e tensões. Graças a essa prática constante, a esse padrão, a capacidade de fingir do ser humano teve um desenvolvimento extraordinário. Ao ponto de a «máscara» (a palavra «hipocrisia» foi originalmente usada para qualificar atores que ocultavam a realidade por trás da máscara) se confundir com o rosto e já não ser possível separá-los. A nossa máscara é o nosso rosto, o nosso rosto é a nossa máscara. Já repararam nisto? E também que é cada vez mais difícil fazer certas distinções?
Cristiano Ronaldo é um imbecil e Mourinho é um anormal. Ambos têm um ego monstruoso e estão sempre com aquele ar de desafio que os torna insuportáveis.
Isto é mentira, quer dizer, verdade.
Cristiano Ronaldo é culto, inteligente, e Mourinho é uma simpatia. São ambos muito humildes e cultivam uma simplicidade que os torna cativantes.
Isto é verdade, quer dizer, mentira.
Álvaro Magalhães, escritor.
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