Há mais de vinte anos que assisto a jogos de futebol, ao
vivo. Normalmente vejo apenas os grandes jogos, que envolvem o meu clube contra
outro clube grande ou contra grandes clubes estrangeiros. Tanto vejo jogos no estádio
do meu clube como no do clube adversário. E se há coisa que sempre me revoltou
foi as proibições que os clubes organizadores dos jogos fazem em relação aos adereços
(camisolas, cachecóis) que os adeptos do clube adversário podem levar para
dentro do estádio.
Então eu não pago bilhete? Então eu não posso manifestar,
como qualquer outro espectador, o agrado pelo meu clube, usando uma cor, uma
camisola, ou cachecol? Como é isto possível num estado de direito democrático?
Como é que autoridades policiais compactuam com estas ilegais proibições
ditadas pelo fanatismo e falta de fair-play dos dirigentes dos clubes?
Nos jogos internacionais é proibido invetivar um jogador
negro de um clube adversário com cânticos ou tarjas racistas. Já houve clubes
severamente punidos por causa destas práticas xenófobas dos seus adeptos, mas
em Portugal acha-se bem proibir a entrada de alguém que traga uma camisola interior
azul, verde ou vermelha, porque pode ferir a suscetibilidade dos grunhos dos
adeptos dos clubes da casa. Revolta-me imenso este tipo de prática e gostava
mesmo que esses dirigentes tivessem a coragem de as implementar em jogos da
UEFA. Ia ser muito divertido e esclarecedor.
Hoje, o sensato Bagão Félix, que já foi ministro das Finanças de Portugal, na sua crónica semanal no
jornal «’A Bola» tem um excerto de deliciosa ironia sobre isto, contando uma
história tão verdadeira quanto surreal.
Transcrevo o respetivo excerto.
«Uma das minhas netas, quinze anos de idade, benfiquista de alma e
coração, foi a Alvalade com uma das suas melhores amigas, sportinguista de
coração e alma. À entrada, embora sem qualquer sinal exterior de adepta encarnada,
revistaram-na e encontraram uma perigosíssima arma de destruição maciça: um
batom para o cieiro. Com um demoníaco pormenor, o invólucro era vermelho. Vai
daí, um zelota dos bons costumes tirou-lho repentinamente e atirou-o para o
lixo, garantindo assim a ordem pública e impedindo uma jovem tranquila e
educada de provocar desacatos com tão contundente objeto.
Uns minutos depois, antes do jogo se iniciar, elas assistiram já
sentadas ao fogo-de-artifício com que as claques leoninas deram as boas-vindas.
O tal zelota ainda deve estar a pensar como tendo ele evitado uma catástrofe
com o batom da minha neta foi impotente (ele e os colegas) para impedir os
adultos de levar bombinhas Entrudo. Um perigoso batom é um batom perigoso,
mesmo que seja do cieiro. Assim vai o nosso futebol. Apanha-se uma mosquinha
para fingir que se controlam os elefantes.»
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