A ideia e a oportunidade surgiram um pouco por acaso, depois
de uma infrutífera tentativa de jantar no Noélia & Jerónimo, em Cabanas de
Tavira. O senhor Amílcar regressava da última viagem do dia pela Ria e trazia
um ar satisfeito e feliz. Precisou de poucos minutos de conversa para me
convencer a um passeio no seu barco, no dia seguinte, pela ria mais formosa do
país.
Tinha-me comprometido a levar mais duas pessoas, mas, no
dia seguinte, apareci com três e ele com mais três. À hora marcada, o barco
do Amílcar deslizou sorrateiramente pela Ria Formosa, em direção a Olhão. A
água límpida e calma parecia um manto de veludo onde o barco estendia o corpo
enquanto nós recebíamos o afago do sol e deliciávamos o olhar com o belo
recorte com que a natureza findou Portugal.
Foi então que o guia decidiu parar o barco, parar as
explicações sobre a formação da Ria e as várias espécies animais que a habitam,
para apreciarmos melhor o voo das aves, o doce baloiçar da embarcação, o
silêncio da Ria, cada carinho que os raios de sol faziam nos nossos corpos
preguiçosos. Permanecemos alguns minutos ainda, observando a profundidade das águas,
conversando sobre a vida das gentes que vivem à custa do que a Ria Formosa lhes
dá. Ao longe, um par de jovens fazia vela, outros barcos percorria apressados a
Ria e um veleiro, com bandeira francesa, fazia uma viagem descontraída em busca
da primeira saída para o Oceano.
Apeteceu-me ficar mais tempo, mas o senhor Amílcar tinha
mais belas reentrâncias da Ria para nos mostrar. Antes de chegarmos perto dos
flamingos, que habitam um lugar da Ria mesmo frente a Tavira, conduzi a
conversa para outros lugares icónicos da água doce em Portugal: a Ria de Aveiro
e o rio Douro. O senhor Amílcar já conhecia a terra e a ria dos ovos-moles de
ginjeira, mas nunca tinha feito a subida do Douro. Fizemos-lhe o convite em
forma de desafio.
Entretanto, chegamos à zona dos flamingos. Tínhamos de os
ver de perto. Em silêncio, com alguma distância, porque a beleza e a elegância
gostam pouco de ser importunadas. Depois empreendemos a viagem de regresso, entrecortada
por mais algumas pausas, para mais uma conversa, para fazer umas fotos com mais
calma, para apanhar ostras. Como num passo de mágica, o barqueiro
presenteou-nos com algumas ostras, capturas naquele momento e subtraídas à
Ria para que o nosso jantar tivesse algo de diferente.
Quando o passeio terminou, o sol já dava sinais de cansaço
e todos estavam muito satisfeitos com aquela tarde diferente sobre o suave
ondear de águas tão formosas.
Cheguei a Cabanas poucos minutos antes da cozinha da dona
Noélia abrir. Às 19 horas já não havia mesas disponíveis. Alguns minutos depois
comecei a perceber o porquê de tanta fama, sobretudo no que ao peixe diz
respeito. A noite ainda traria outras agradáveis surpresas, mas a memória da
beleza da Ria era ainda tão intensa!
GAVB
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