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terça-feira, 29 de outubro de 2019

NÃO SÃO PASSAGENS ADMINISTRATIVAS, MAS INSTRUMENTOS PARA QUE NINGUÉM FIQUE PARA TRÁS


Sempre gostei de gente com sentido de humor e que sabe usar figuras de estilo. Em Educação, isso quer dizer ironia, se for professor; hipérbole se o autor for o aluno; eufemismo, se estivermos a falar do Ministério da Educação ou das Associações de Pais; metáforas, se a «coisa» passar para o lado do jornalismo opinativo.

Ontem, o jornal «I» revelou o quarto segredo de Fátima, declarando à nação que o grande objetivo do governo é acabar com os chumbos até ao 9.º ano. Segredo ridículo, indignação nenhuma, pois todos nós já sabemos que esse sempre foi o premissa central do eduquês, que tão bem caracteriza o projeto educacional do Partido Socialista para Portugal.

Como diria Filinto Lima, passar toda a gente é bonito mas é utópico, mas o problema é que as políticas governativas sempre acharam que isto se consegue com um estalar de dedos, impondo aos professores as suas teorias desfasadas da realidade. 
Trocado por miúdos, o projeto do PS resume-se a isto: "é para passar toda a gente (ou quase) e não quero saber como o fazem, desde que o façam. 
Obviamente que se isto correr mal a culpa é dos professores! Para tal já temos a nossa bateria de jornalistas e comentares pronta a disparar todas as culpas nos professores retrógrados, reaccionários e incompetentes, que tanto ensinam de mais como ensinam de menos ou ensinam mal."


É curioso constatar que sempre que o governo aparece a propor algo que vai contra o mais elementar bom senso e que a população pode censurar, logo aparece a brigada da Confap a dizer que sim, que é muito moderno, que temos de fazer algo, que como está é que está mal. 
Mas quem são os pais que a Confap representa? Os pais das crianças, adolescentes e jovens que costumam chumbar sistematicamente? Os pais dos alunos problemáticos, agressivos ou com necessidades educativas especiais? Naaa, que eles não estão para resolver problemas, mas só para dizer como se faz e para censurar os professores que deviam operar todos os dias o milagre de ensinar quem não quer aprender. 

Hoje, o cobarde ministério da educação que temos mandou Jorge Ascensão dizer que "não se está a dizer que os alunos vão passar mesmo que não saibam, vamos é encontrar instrumentos para eles não ficarem para trás."
Jorge Ascensão, não te preocupes, o teu subsídio por este mês está justificado. Além disso, quanto ao chumbos, também não precisas de stressar, pois os «profs» há muito que aprenderam a lição de Jorge Palma: 


"Se ainda me queres vender

Se ainda me queres negociar

Isso já pouco me interessa
Perdemos o gozo de viver
Eu a obedecer e tu a mandar
Os dois na mesma triste peça
Os dois à espera do fim"


Entretanto, querido Ascensão, sempre podes ir preparando o discurso e o argumentário para o facto de ser no secundário que os alunos "chumbam mais". Eu sei que é difícil convencer a população que um aluno entre na universidade sem saber o básico do básico, mas se esta cantilena já serviu para os trazer até ao 9.º ano sem retenções como não há de resultar para o 12.º ano? Afinal a escolaridade obrigatória já está nos doze anos...

sábado, 26 de outubro de 2019

PENAFIEL PÕE A ESCRITARIA EM DIA COM MANUEL ALEGRE


Durante uma semana, Penafiel esteve em festa com a poesia de Manuel Alegre. 
A XII edição da ESCRITARIA homenageou um dos mais vultos da literatura portuguesa, um poeta ilustríssimo, já vencedor do prestigiado Prémio Camões, que para sempre estar ligado à luta pela liberdade no tempo da ditadura Salazarista.

Agora que a ampulheta da vida deixa cair os últimos grãos do Tempo, o mais importante evento literário do país, não podia deixar de se curvar perante a beleza, a profundidade e a mensagem da poesia de Manuel Alegre.

Durante a semana, o escritor esteve por Penafiel, visitando escolas, contactando com alunos e professores, participando em palestras e encontros, ao mesmo tempo que se inauguravam exposições sobre Sophia de Mello Breyner, o Bibliomóvel percorria as ruas do concelho com poesia de Manuel Alegre, prémios literários eram revelados e os jovens.

Mas o melhor de qualquer poeta é sempre a sua poesia. Dela brota a sensibilidade do poeta, que ora nos faz sonhar ora nos interpela angustiado ora motiva à ação.

Convido-te a ler um dos vários poemas de Manuel Alegre que muito me encanta.


ÍTACA


Ítaca estava dentro: 
era uma luz um rosto um cheiro

a sombra em certas tardes na sala de jantar
ou o teu sorriso debaixo da ameixieira.
Um sítio. Um sítio sagrado algures no tempo.
Um sítio por dentro. Um obscuro ponto
no mapa luminoso
do coração.

Para sempre só teu
para sempre escondido.

Como Ulisses ninguém volta ao que perdeu
como Ulisses não serás reconhecido.

2.
Não vale a pena suportar tanto castigo.
Procuras Ítaca. Mas só há esse procurar.
Onde quer que te encontres está contigo
dentro de ti em casa na distância
onde quer que procures há outro mar
Ítaca é tua própria errância.





terça-feira, 22 de outubro de 2019

O PROFESSOR LEVA TANTAS E TANTO QUE ATÉ DÓI SÓ DE VER

Detesto o discurso do «coitadinho», da auto-comiseração, do triste fado do professor português, mas os acontecimentos dos últimos dias, geraram em mim, como em grande parte da classe docente, um forte sentimento de revolta e indignação. 


Num momento em que por todo o país faltam professores e funcionários de ação educativa ao mesmo tempo que sobe em flecha os casos de indisciplina e violência em recintos escolares, um professor é exonerado, detido e julgado sumariamente porque agrediu um aluno na sala de aula.

Tendo em conta os relatos, é muito provável que o professor tenha agredido efetivamente o aluno e por isso deva ser justamente afastado da docência e punido nos termos da lei. Sobre isso nenhum dúvida, nenhuma defesa a fazer do professor.

Sobre o show off do Ministério da Educação, das Associações de Pais, da Polícia, tudo a dizer, tamanha é a hipocrisia, o parcialidade de atuações e comentários, a lata com que vomitam desprezo por uma classe a quem devem muito.

Aluno bate em aluno, bate em auxiliar, bate em professor - nem a polícia aparece, nem a associação de pais reúne e emite comunicados, nem a direção da escola suspende de imediato o aluno e faz participação criminal e civil, nem o ministério da educação se indigna, apoia ou atua sobre os criminosos que, quase diariamente, ameaçam, coagem e agridem quem entra numa escola para ensinar, auxiliar ou simplesmente aprender. 

Numa semana em que os alunos portugueses admitem práticas violentas sobre colegas e professores, em percentagens alarmantes, não ouvirmos uma palavra do inócuo Brandão Rodrigues, não lemos uma entrevista do vaidoso Filinto Lima, nem foi emitido comunicado algum das atentíssimas associações de pais, não deixa de ser hilariante e revoltante que um professor assuma o papel de bode expiatório.

Os professores precisam de perceber, de uma vez por todas, que não lidam com pessoas intelectualmente honestas, mas apenas com gente egoísta, hipócrita e que distorce a realidade sem contemplações.
Não vale a pena continuar a pregar no deserto! Vale a pena, talvez, é adotarmos, de vez, o catecismo da modernidade. 

domingo, 20 de outubro de 2019

DE QUE SERVE DÉFICE ZERO COM ESCOLAS A FECHAR?

A pergunta é de Filinto Lima, o eterno presidente da associação nacional de diretores de agrupamentos de escolas públicas.
Para Mário Centeno (e António Costa, por omissão) a pergunta é, obviamente, outra Que me interessam escolas a fechar por alguns dias ou semanas, se o défice público caminha para o zero?

É muito triste que um homem experimentado como Filinto Lima ande tão distraído. Então, não foi este o pensamento que levou Centeno a adiar vergonhosamente a ala pediátrica do Hospital de São João? Não é este o expediente, próprio de um vendedor de aldrabices, que o senhor presidente do conselho (qual Salazar dos tempos modernos) usa para manter as contas aparentemente em dia?

Por isso é que os serviços do Ministério da Educação só vão uma vez por semana recolher os pedidos de substituição de professores e de auxiliares de ação educativa.

A Educação como a Saúde, a Administração Interna ou a Cultura, além dos salários, só terão dinheiro quando for contabilisticamente possível. Não vale a pena alguém indignar-se, sobretudo quando andou anos a ter um discurso mole e comprometido com o poder, fosse ele qual fosse. 

Obviamente ninguém precisa de lamentos, mas de ações e essa ficou bem clara no dia 6 de Outubro: a maioria prefere nem participar nas eleições e a minoria que participa está mais ou menos satisfeita com esta forma de governar. 

Há uns anos, Costa justificou a sua candidatura à liderança do PS, espetando a faca nas costas de António José Seguro, dizendo que não se contentava com uma vitória por poucochinho. Na verdade, ele não tem feito outra coisa que não gerir vitórias por poucochinho, porque ele sabe perfeitamente que aquilo que melhor define o português é que se contenta com poucochinho. E quem se contenta com poucochinho acaba sempre com zero.

GAVB

MAIS QUE O TEU CORPO


Mais que o teu corpo quero o teu pudor
quero o destino e a alma e quero a estrela
e quero o teu prazer e a tua dor
o crepúsculo e a aurora e a caravela
para o amor que fica além do amor.


A alegria e o desastre e o não sei quê
de que fala Camões e é como água
que dos dedos se escapa e só se vê
quando o prazer se torna quase mágoa.



Estar em ti como quem de si se parte
e assim se entrega e dando não se dá
quero perder-me em ti e quero achar-te
como num corpo o corpo que não há.

Manuel Alegre

sábado, 19 de outubro de 2019

ALUNOS PORTUGUESES ASSUMEM VIOLÊNCIA NA ESCOLA


Não, não são os professores a dizê-lo, mas os próprios alunos alunos a admiti-lo: a violência e a agressividade nas escolas portuguesas estão a aumentar, atingindo, em alguns casos, patamares nunca vistos.

Num inquérito recentemente realizado aos alunos portugueses, chegou-se às seguintes conclusões:
90% assumem já ter exercido violência psicológica sobre os colegas;
70% admitem ter agredido fisicamente um outro aluno;
11%  não tem pejo em afirmar que essa violência foi particularmente contundente e, em certos casos, envolveu armas;
2% refere que a violência teve contornos de cariz sexual.

Se estes dados não constituem um alerta vermelho para quem pode intervir[Ministério da Educação, Associações de Pais, Direções de Escolas, Professores, Associações de Estudantes, Comunicação Social], então é porque nos estamos a tornar perigosamente autistas perante uma realidade preocupante.

A agressividade e a violência nas escolas aumentou muito e isso deve-se, na minha opinião, a duas grandes causas: o desrespeito generalizado pelo Professor e a falta de auxiliares de ação educativa.
Como o governo, as associações de pais, a comunicação social fizeram crescer despudoradamente a desconsideração pelo Professor, é normal que os alunos tenham absorvido esse padrão comportamental e o tenham replicado. 
Chega a ser constrangedor observar a defesa da autoridade do professor, por parte de alguns alunos, completamente incrédulos com o nível de desrespeito a que alguns dos seus educadores estão sujeitos. 

Por outro lado, a falta de auxiliares de ação educativa é gritante. Os funcionários que se reformaram ou estão de baixa médica prolongada não são substituídos, em regra. O governo assobia para o lado e a população faz o mesmo, a não ser que o problema envolva o querido filhinho ou o querido netinho. 

Os professores já estão cansados de alertar, reclamar e sofrer. Agora apenas se aquietam, silenciosos, esperando que alguém responsável tenha alguma vergonha na cara ou que uma circunstância inusitada faça com que os Pilatos desta história sintam na pele o tamanho do monstrinho que ajudaram a criar.

Estou certo que o tempo fará alguma justiça aos professores e auxiliares de ação educativa, que muito deram e dão à Educação em Portugal, todavia essa momento chegará tarde para muito jovens, cujo futuro estará mais perto da delinquência, da agressividade permanente, do egoísmo selvagem.
O rio da indiferença engrossa e vaio cheio de detritos.
Gabriel Vilas Boas
        

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

DIZER QUE SE É CONTRA O RACISMO NÃO BASTA

Depois dos graves incidentes racistas, durante o jogo de futebol entre as seleções da Bulgária e da Inglaterra, no início da semana, todos se mostraram indignados, chocados - como é costume. 
Como é costume, essa indignação afrouxará em breve e, como é costume, algo de parecido acontecerá outra e outra vez. 

O que não é (era) costume era ver conhecidos adeptos do Benfica, como Ricardo Araújo Pereira, pedir ao seu clube, em carta aberta, que dê bons exemplos, e se demarque publicamente de André Ventura, recém-eleito deputado da nação, pois este defende abertamente ideias xenófobas e racistas. 
Como quase todos, o Benfica é contra o racismo. Gosta de o dizer e gosta que se saiba disso. Todavia, os dirigentes encarnados não acham necessário que o clube se demarque de André Ventura, conhecido sócio benfiquista, e que provavelmente deve parte da sua eleição ao protagonismo mediático que teve à custa de "representar", sem procuração para tal, o clube do seu coração num programa televisivo. 

Combater o racismo exige que nos demarquemos dos racistas porque, de contrário, estamos a emprestar-lhes a nossa dignidade e a 'normalizá-los'. Isto é tanto mais perverso quanto, muitas vezes, eles usam a nossa imagem para se projectarem.

Se o Benfica se demarcasse publicamente de André Ventura, isso teria um efeito enorme no combate ao racismo e aos racistas. 
A carta aberta de Ricardo Araújo Pereira e outros benfiquistas é uma pista importante que devemos seguir, para perceber como os adeptos de futebol podem aumentar o grau de exigência sobre a responsabilidade social dos seus clubes. Afinal, não se dizem eles instituições de utilidade pública?

No entanto, o facto de grande parte dos adeptos do Benfica (e porque não dizê-los da maioria dos portugueses também) se estar a marimbar para a resposta da direção do Benfica, dá-nos uma pista ainda mais precisa do imenso trabalho que há para fazer em Portugal sobre o combate ao racismo e aos racistas.
GAVB

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

VAMOS SER OBRIGADOS A REGISTAR CÃES E GATOS DE COMPANHIA



Não me admira nada que esta lei seja mesmo para cumprir: todo cão e gato, e já agora o furão, terão registo obrigatório, a partir do final deste mês. 

Para já o registo vai custar 2,5 euros, mas é possível que isto seja apenas uma promoção de início de campanha, para não assustar proprietários, pois a partir de 2021, o preço pode e deve ser outro. 

O Decreto-Lei n.º 82/2019 de 27 de junho, estabeleceu as regras de identificação dos animais de companhia, tendo criado o Sistema de Informação de Animais de Companhia (SIAC), visando desenvolver normas de prevenção do abandono animal e de promoção da detenção responsável, englobando, entre outras obrigações, a identificação e o registo dos animais de companhia”. 

Em Portugal, cada inovação legislativa traz sempre fatura.
Como diria Centeno, em Portugal, tudo o que cria, é passível de se transformar em imposto. O que interesse é criar novas fontes de receita, venham elas de onde vier. Este mês é o cão, o gato e o furão, mas nada garante que em Janeiro, não seja o canário, a doninha ou o peixinho dourado. 

É importante haver um registo dos animais de companhia, especialmente agora que eles ganharam identidade jurídica, mas seria ainda mais importante aplicar esse dinheiro (todo ele) na criação de centro de acolhimento de cães e gatos abandonados. 

O Decreto-Lei diz que as regras de identificação dos animais de companhia, visam desenvolver normas de prevenção do abandono animal, mas é omissa quanto o modo e financiamento. 

Todo o cão e gato, em breve, terão o seu cartão do animal, chipado e personalizado, com renovações periódicas, porque a máquina fiscal é insaciável.

sábado, 5 de outubro de 2019

PROFESSOR: REERGUER-SE, REINVENTAR-SE, REJUVENESCER

Quando observo a minha profissão através dos olhos apressados do cidadão comum, não posso deixar de sentir uma amarga tristeza, ao perceber naquilo que nos tornámos aos olhos do outro: um velho sábio, zangado com o mundo, desfasado da realidade, resmungão e cansado, vivendo de prodigiosas glórias passadas. 
Não gosto nada do retrato, mas a verdade é que ele apenas se acentua com o passar do tempo.

Quais os desafios que se colocam ao professor atual?

Em primeiro, a classe docente precisa de rejuvenescer. Muitas salas de professores caminham para lares da terceira idade, mas o pior é o afastamento mental em relação aos alunos, aos encarregados de educação, à realidade social e cultural que rodeia a Escola. Mais facilmente os alunos sentem comiseração pelos seus professores do que admiração. 
Os alunos precisam de uma classe docente intergeracional, mas a sociedade faz pouca pressão sobre o governo para que este assuma e renovação geracional dos professores como uma prioridade.

Outro problema central que os professores precisam de enfrentar é reinventar o seu papel na escola e na sociedade. É preciso ser professor de outra forma. Perceber que estamos num mundo tecnológico, que temos de aproveitar, utilizar e rentabilizar e não ignorar ou hostilizar. O tempo do papel, do lápis e da caneta, do quadro negro ou branco, das longas aulas expositivas já passou... ou devia ter passado. Os alunos aprendem muito mais fazendo, experimentando, partilhando com os colegas as aprendizagens que fazem por si. É certo que largar o comando da aulas é muito desconfortável para o professor, mas o caminho é esse.

Por outro lado, o professor português tem de perceber que já não tem o papel social que tinha e que muitos ainda julgam ter. É importante sim, mas não o mais importante! É um par, e não primus inter pares. Além disso, necessita de recuperar muito terreno para repor uma imagem positiva que perdeu há mais de uma década. O professor precisa de fazer sentir a sua relevância, através doseu trabalho, em vez de constantemente estar a reclamá-la como se ela fosse sua por direito natural. Mostrar como a sua atividade pode interagir com o de outras profissões, apresentar à comunidade local e regional o trabalho desenvolvido com os alunos. 

Reinventar-se e reerguer-se! Recuperar o prazer de ensinar, ensinar de outra forma, por mais cansado que se esteja, por mais desiludido e sem esperança que nos sintamos, o caminho só pode ser o da mudança. Paciente e não excluindo ninguém, todavia sem protelarmos mais, porque o tempo urge.

GAVB

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

AMARANTE, UM AMOR ANTIGO


Fotografia: Eduardo Teixeira Pinto

Ao fim de dez anos, Filipe regressava à terra. Tinha apenas a intenção de ficar o tempo suficiente para concretizar o casamento com Catarina, uma rapariga que conhecera em Nice, no inverno de 2016 e que agora trazia até Amarante, pois para ele era fundamental que a avó Matilde testemunhasse o seu casamento.
Na verdade, a avó era só um alibi aceitável para não ter de explicar a razão de Catarina não fazer questão de casar na vila do sul de França, onde nascera: tanto para a namorada como para a sua família, o casamento religioso não passava de uma curiosa peça arqueológica. Viriam apenas duas dezenas de convidados de França e somente oito eram familiares de Catarina.
Filipe não se aborrecia. Estava feliz com a mulher que amava e, sobretudo, por o fazer em Padronelo, rodeando de amigos, tios e primos, pais e irmão, além, claro, da avó Matilde.
Filipe observava como a sua cidade estava diferente. Os amigos já o tinham avisado que a princesa do Tâmega, agora, era cool, especialmente no verão, com o Mimo, festivais de teatro, concertos de música clássica, a Amarantina…
Os seus olhos não tinham tempo para constatar os progressos culturais que os amigos lhe anunciaram, visto que os preparativos para o casamento e os inevitáveis reencontros familiares atafulhavam-lhe as parcas horas de que dispunha, até porque a noiva e o seu restrito clã estavam prestes a chegar. Além disso, o padre alertava-o para a falta de alguns documentos da noiva e padrinhos e a dona da quinta, onde se realizaria a boda, queria algumas informações sobre a menina de Nice, a fim de a surpreender com algo inesquecível no dia do casamento.
Filipe dizia a tudo que sim, usando um largo sorriso e poucas palavras. Não tinha oportunidade para grandes objeções. No dia anterior à chegada de Catarina, quando a tarde se espreguiçava sobre a noite quente, o filho do senhor António e da dona Marina decidiu passear, sozinho, pelos locais mais emblemáticos da cidade.

Fotografia: Eduardo Teixeira Pinto
Notou, admirado, como centenas de amarantinos percorriam alegremente a novel ecopista, construída sobre carris desmantelados, ao mesmo tempo que centenas de carros entupiam pachorrentamente as principais vias da cidade, estacionando nos lugares mais inconvenientes e proibidos. Havia até alguns comportamentos, na ocupação da via pública, que denunciavam a chegada dos imigrantes, como ele!
Reparava como alguns cafés mudaram de dono, outros de freguesia e que o solar de Magalhães estava em obras, embora poucos lhe soubessem explicar como ficar aquele monumento icónico depois das invasões dos arquitetos.
A GNR, finalmente, fora guardar alunos e professores, deixando em paz os amigos do Museu, a autarquia e os turistas. Ah, os turistas, esse novo elixir da economia amarantina, já se viam com regularidade. Percebeu isso quando estancou os passos e os olhos em frente ao hostel Des Arts! A «sua» Amarante já tinha um hostel.
No entanto, não tinham sido os sítios que o fizeram regressar temporariamente a casa, mas algo mais apaixonante: as pessoas. Apesar de nunca lhe ter dito, Filipe amava profundamente o jeito de ser da sua gente. Aquela maneira afetuosa, direta e sincera com que o Tó e o Zé o convidaram para uma patuscada na sua cave, bem regada com um néctar de eleição, ilustrava plenamente a grandeza de alma de um amarantino.
Vieram-lhe à memória várias aventuras da juventude: as noitadas na serra para ver o rali, os assanhados jogos da FADA ao fim-de-semana, os mergulhos rio durante o verão, os… Eram memórias imensas de amizade!
A tarde caía belíssima, numa rua contígua ao Tâmega, agora pomposamente chamada Eduardo Teixeira Pinto.  “O senhor Eduardo já tinha uma rua com o seu nome!”, pensou.
 Desejou então que o velho fotógrafo amarantino, com o seu cigarrinho ao canto da boca, ali estivesse para fotografar o seu derradeiro abraço à cidade que tanto amava. Só ele conseguiria captar na perfeição a emoção que lhe enchia a alma.
Sim, aquilo era um ADEUS e por isso deixou que os seus olhos se despedissem sem pressas do rio, da velha ponte e do mosteiro, que amaria para sempre.

Gabriel Vilas Boas