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quinta-feira, 3 de outubro de 2019

AMARANTE, UM AMOR ANTIGO


Fotografia: Eduardo Teixeira Pinto

Ao fim de dez anos, Filipe regressava à terra. Tinha apenas a intenção de ficar o tempo suficiente para concretizar o casamento com Catarina, uma rapariga que conhecera em Nice, no inverno de 2016 e que agora trazia até Amarante, pois para ele era fundamental que a avó Matilde testemunhasse o seu casamento.
Na verdade, a avó era só um alibi aceitável para não ter de explicar a razão de Catarina não fazer questão de casar na vila do sul de França, onde nascera: tanto para a namorada como para a sua família, o casamento religioso não passava de uma curiosa peça arqueológica. Viriam apenas duas dezenas de convidados de França e somente oito eram familiares de Catarina.
Filipe não se aborrecia. Estava feliz com a mulher que amava e, sobretudo, por o fazer em Padronelo, rodeando de amigos, tios e primos, pais e irmão, além, claro, da avó Matilde.
Filipe observava como a sua cidade estava diferente. Os amigos já o tinham avisado que a princesa do Tâmega, agora, era cool, especialmente no verão, com o Mimo, festivais de teatro, concertos de música clássica, a Amarantina…
Os seus olhos não tinham tempo para constatar os progressos culturais que os amigos lhe anunciaram, visto que os preparativos para o casamento e os inevitáveis reencontros familiares atafulhavam-lhe as parcas horas de que dispunha, até porque a noiva e o seu restrito clã estavam prestes a chegar. Além disso, o padre alertava-o para a falta de alguns documentos da noiva e padrinhos e a dona da quinta, onde se realizaria a boda, queria algumas informações sobre a menina de Nice, a fim de a surpreender com algo inesquecível no dia do casamento.
Filipe dizia a tudo que sim, usando um largo sorriso e poucas palavras. Não tinha oportunidade para grandes objeções. No dia anterior à chegada de Catarina, quando a tarde se espreguiçava sobre a noite quente, o filho do senhor António e da dona Marina decidiu passear, sozinho, pelos locais mais emblemáticos da cidade.

Fotografia: Eduardo Teixeira Pinto
Notou, admirado, como centenas de amarantinos percorriam alegremente a novel ecopista, construída sobre carris desmantelados, ao mesmo tempo que centenas de carros entupiam pachorrentamente as principais vias da cidade, estacionando nos lugares mais inconvenientes e proibidos. Havia até alguns comportamentos, na ocupação da via pública, que denunciavam a chegada dos imigrantes, como ele!
Reparava como alguns cafés mudaram de dono, outros de freguesia e que o solar de Magalhães estava em obras, embora poucos lhe soubessem explicar como ficar aquele monumento icónico depois das invasões dos arquitetos.
A GNR, finalmente, fora guardar alunos e professores, deixando em paz os amigos do Museu, a autarquia e os turistas. Ah, os turistas, esse novo elixir da economia amarantina, já se viam com regularidade. Percebeu isso quando estancou os passos e os olhos em frente ao hostel Des Arts! A «sua» Amarante já tinha um hostel.
No entanto, não tinham sido os sítios que o fizeram regressar temporariamente a casa, mas algo mais apaixonante: as pessoas. Apesar de nunca lhe ter dito, Filipe amava profundamente o jeito de ser da sua gente. Aquela maneira afetuosa, direta e sincera com que o Tó e o Zé o convidaram para uma patuscada na sua cave, bem regada com um néctar de eleição, ilustrava plenamente a grandeza de alma de um amarantino.
Vieram-lhe à memória várias aventuras da juventude: as noitadas na serra para ver o rali, os assanhados jogos da FADA ao fim-de-semana, os mergulhos rio durante o verão, os… Eram memórias imensas de amizade!
A tarde caía belíssima, numa rua contígua ao Tâmega, agora pomposamente chamada Eduardo Teixeira Pinto.  “O senhor Eduardo já tinha uma rua com o seu nome!”, pensou.
 Desejou então que o velho fotógrafo amarantino, com o seu cigarrinho ao canto da boca, ali estivesse para fotografar o seu derradeiro abraço à cidade que tanto amava. Só ele conseguiria captar na perfeição a emoção que lhe enchia a alma.
Sim, aquilo era um ADEUS e por isso deixou que os seus olhos se despedissem sem pressas do rio, da velha ponte e do mosteiro, que amaria para sempre.

Gabriel Vilas Boas

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