Fotografia: Eduardo Teixeira Pinto
Ao fim de dez
anos, Filipe regressava à terra. Tinha apenas a intenção de ficar o tempo
suficiente para concretizar o casamento com Catarina, uma rapariga que
conhecera em Nice, no inverno de 2016 e que agora trazia até Amarante, pois
para ele era fundamental que a avó Matilde testemunhasse o seu casamento.
Na verdade, a
avó era só um alibi aceitável para não ter de explicar a razão de Catarina não
fazer questão de casar na vila do sul de França, onde nascera: tanto para a
namorada como para a sua família, o casamento religioso não passava de uma
curiosa peça arqueológica. Viriam apenas duas dezenas de convidados de França e
somente oito eram familiares de Catarina.
Filipe não se
aborrecia. Estava feliz com a mulher que amava e, sobretudo, por o fazer em Padronelo,
rodeando de amigos, tios e primos, pais e irmão, além, claro, da avó Matilde.
Filipe
observava como a sua cidade estava diferente. Os amigos já o tinham avisado que
a princesa do Tâmega, agora, era cool, especialmente no verão, com o Mimo,
festivais de teatro, concertos de música clássica, a Amarantina…
Os seus olhos
não tinham tempo para constatar os progressos culturais que os amigos lhe
anunciaram, visto que os preparativos para o casamento e os inevitáveis
reencontros familiares atafulhavam-lhe as parcas horas de que dispunha, até
porque a noiva e o seu restrito clã estavam prestes a chegar. Além disso, o
padre alertava-o para a falta de alguns documentos da noiva e padrinhos e a
dona da quinta, onde se realizaria a boda, queria algumas informações sobre a
menina de Nice, a fim de a surpreender com algo inesquecível no dia do
casamento.
Filipe dizia a
tudo que sim, usando um largo sorriso e poucas palavras. Não tinha oportunidade
para grandes objeções. No dia anterior à chegada de Catarina, quando a tarde se
espreguiçava sobre a noite quente, o filho do senhor António e da dona Marina
decidiu passear, sozinho, pelos locais mais emblemáticos da cidade.
Fotografia: Eduardo Teixeira Pinto |
Notou,
admirado, como centenas de amarantinos percorriam alegremente a novel ecopista,
construída sobre carris desmantelados, ao mesmo tempo que centenas de carros
entupiam pachorrentamente as principais vias da cidade, estacionando nos
lugares mais inconvenientes e proibidos. Havia até alguns comportamentos, na
ocupação da via pública, que denunciavam a chegada dos imigrantes, como ele!
Reparava como
alguns cafés mudaram de dono, outros de freguesia e que o solar de Magalhães
estava em obras, embora poucos lhe soubessem explicar como ficar aquele
monumento icónico depois das invasões dos arquitetos.
A GNR,
finalmente, fora guardar alunos e professores, deixando em paz os amigos do
Museu, a autarquia e os turistas. Ah, os turistas, esse novo elixir da economia
amarantina, já se viam com regularidade. Percebeu isso quando estancou os
passos e os olhos em frente ao hostel Des Arts! A «sua» Amarante já tinha um
hostel.
No entanto,
não tinham sido os sítios que o fizeram regressar temporariamente a casa, mas
algo mais apaixonante: as pessoas. Apesar de nunca lhe ter dito, Filipe amava
profundamente o jeito de ser da sua gente. Aquela maneira afetuosa, direta e
sincera com que o Tó e o Zé o convidaram para uma patuscada na sua cave, bem
regada com um néctar de eleição, ilustrava plenamente a grandeza de alma de um
amarantino.
Vieram-lhe à
memória várias aventuras da juventude: as noitadas na serra para ver o rali, os
assanhados jogos da FADA ao fim-de-semana, os mergulhos rio durante o verão,
os… Eram memórias imensas de amizade!
A tarde caía
belíssima, numa rua contígua ao Tâmega, agora pomposamente chamada Eduardo
Teixeira Pinto. “O senhor Eduardo já
tinha uma rua com o seu nome!”, pensou.
Desejou então que o velho fotógrafo amarantino,
com o seu cigarrinho ao canto da boca, ali estivesse para fotografar o
seu derradeiro abraço à cidade que tanto amava. Só ele conseguiria captar na
perfeição a emoção que lhe enchia a alma.
Sim, aquilo
era um ADEUS e por isso deixou que os seus olhos se despedissem sem pressas do
rio, da velha ponte e do mosteiro, que amaria para sempre.
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