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quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

A GRANDE ESCULTURA FRANCESA EM EXPOSIÇÃO NA GULBENKIAN


A escultura é uma arte que sempre exerceu um fascínio muito grande sobre mim. 

A forma, quase mágica, como o escultor dá forma humana, animal, espiritual à rocha, ao mármore, ao gesso, ao bronze e a outras materiais fazia-me curvar perante aquele exercício impossível do artista. Sobretudo quando ele trabalhava a pose, imortalizando para sempre um gesto que só alguns fotógrafos ou pintores extraordinários conseguem captar. Por isso, tinha enorme expectativa em ver a exposição que a Gulbenkian exibe este inverno, em Lisboa, de algumas peças dos melhores escultores franceses. Auguste Rodin, Jean-Baptiste Carpeaux, Edgar Degas, Jean-Antoine Houdon sempre foram aqueles monstros sagrados cuja obra nunca tinha tido a possibilidade de ver de perto, de tocar, apreciando cada curva, cada forma, cada expressão demoradamente, de todos os ângulos possíveis. Agora foi possível. Cerca de três dezenas de peças, algumas em tamanho real, destes preciosos artistas, estiveram um par de horas diante dos meus olhos e pude contentá-los. 


O curador desta exposição "Pose e Variações. Escultura Em Paris No Tempo de Rodin" dividiu em quatro núcleo temáticos: a ausência de pose; a figura acocorada; a Maternidade (inevitável), figuras entrelaçadas. 


À entrada a famosa Danáide de Rodin, convidava-nos a observar como o artista trabalha a pose quando ela está ausente.



AUSÊNCIA DE POSE Não é fácil determinar, apenas com base na aparência, se ou na não presença de uma figura que posa. No entanto, os motivos em que a ausência da pose se manifesta são conhecidos desde a Antiguidade. No século XIX, o ensino artístico, baseado no desenho a partir de esculturas ou modelos vivos, não contemplava a inclusão de crianças, pelo que os artistas abordavam o povo com um olhar quase «puro». Na verdade, o modelo infantil encontra na arte de pousar uma dificuldade real. Na maioria dos casos, os artistas recorrem aos filhos. As crianças pousam assim para retratar cenas da vida quotidiana. Elas constituíram uma fonte de inspiração natural, fornecendo significativo reportório de formas e movimentos. Quando podemos ter a certeza que o modelo não pousou? Na infância, no sono, na morte…



FIGURA ACOCORADA Como figura individual, a Flora de Carpeaux representou, no início da década de 1870, a síntese de dois modelos distintos da Vénus Acocorada da Antiguidade: a Vénus no toilete e a Vénus emergindo das ondas, a enxugar o cabelo. A obra de Carpeaux, que aqui se apresenta (uma figura que simultaneamentemente se mostra e esconde num jogo de evidente conotação sexual), inspirou-se num modelo vivo para a representação realista do rosto. A escultura encoraja o espectador a contorná-la e parece surgir como um último suspiro do tipo clássico da figura acocorada.
A escultura Rapaz Acocorado de Miguel Ângelo veio estabelecer um precedente essencial para uma interioridade percetível em figuras, mais tarde, realizadas por Rodin e Camile Claudel.
Esta interioridade, a par da rejeição da figura idealizada, contribuiu decisivamente para que os escultores do século XIX dessem de novo foco a um tema, para o qual a beleza é elemento vital.
A Mulher Acocorada de Rodin veio incorporar a imagem perfeita de uma figura absorta, em estado de transe, executada com a intenção de estabelecer uma relação audaciosa com tradições anteriores da pose de figuras acocoradas.



MATERNIDADE O conjunto de esculturas escolhidas para este núcleo lembra até que ponto a Maternidade está presente na arte francesa na segunda metade do século XIX. Estas cenas foram sugeridas aos escultores em círculos familiares, no seio dos quais encontraram os modelos preferenciais. 


Após a guerra franco-prussiana, a representação da mãe de família tornou-se figura central. Dalou criou várias cenas maternais de que Paysanne française é o protótipo. 

Os temas relacionados à maternidade devem ser relacionados com os modelos canónicos da tradição artística já que Carpeaux, Dalou e Debois revelam formação académica. 
Virtude da teologia católica, a Caridade assume a forma de uma mulher sentada, acompanhada por duas crianças, ao estilo renascentista. A representação reporta-se, obviamente, à Virgem Maria. 
Marcadas pelo contexto social, político e religioso e inspiradas pelas experiências pessoais dos escultores, atravessadas pelas memórias dos mestres do passado, estas representações da maternidade testemunham a capacidade dos artistas em propor uma nova visão de uma iconografia antiga.




FIGURAS ENTRELAÇADAS Qualquer escultura formada por mais de uma figura constitui um grupo. Essa associação coloca de imediato a complexa questão das relações que o artista procurou estabelecer, através do tema da união de dois ou mais corpos. 

Algumas figuras entrelaçadas constituem uma fonte inesgotável na história da arte, como é o caso do grupo Laoconte e Seus Filhos, arquétipo da escultura helénica. A sua influência sobre a escultura maneirista e barroca revelou-se determinante e a obra permanece ainda hoje o exemplo que melhor ilustra o tema do entrelaçado. 

O grupo neoclássico Psique Reanimada pelo Beijo do Amor de António Casanova também contribuiu para a compreensão do tema, que que Rodin o retomou um século à frente em A Eterna Juventude que remete para a célebre escultura O Beijo.
A proximidade na representação dos amantes recorre à pose para efeitos dinâmicos na combinação de duas figuras entrelaçadas e agrupadas num corpo compacto. As figuras de Rodin contribuíram para a explosão da sensualidade na escultura e evoluíram para formas ousadas e originais. 

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