Christian Eriksen foi um nome que muitos, ontem, repetiram, num misto de comoção, apreensão e alívio. O mais talentoso futebolista dinamarquês da atualidade esteve a muito pouco de marcar o Europeu do Covid da forma mais negra e dramática que um adepto do futebol poderia supor. De um momento para o outro, caiu inanimado no relvado e, por longos/breves minutos, milhões de espetadores temeram a sua morte. O coração teria colapsado, mas a rápida intervenção dos médicos impediu um final trágico.
Eriksen recupera no hospital e os colegas foram induzidos a voltar ao campo, onde perderam com a Finlândia. Nada daquilo fazia sentido já, mas o mundo do futebol há muito deixou de ser intrinsecamente humano.
Hoje, o selecionador dinamarquês percebeu mais claramente o que ontem intuía "Se calhar devíamos ter entrado no autocarro e vindo embora, veríamos o que aconteceria noutro dia. Mas foi uma decisão dura, difícil. É fácil olhar para trás e falar, mas tenho a sensação de que foi errado. Mas quero dizer que estou extremamente orgulhoso do grupo de jogadores que lidero e que, ontem, o futebol mostrou a cara certa".
Reagiu com a cara certa, mas anda com a postura errada há muito tempo. O futebol é um desporto e um negócio, mas continua a ser jogado por seres humanos e não por máquinas. Esta época desportiva foi jogada em condições pouco recomendáveis para a saúde dos atletas. Os melhores (aqueles que também estão agora a jogar o Europeu de Futebol) jogaram mais de cinquenta jogos, de grande nível de exigência física e mental, em oito meses, quando a época normal contempla dez.
Num ano de Covid, em que muitos jogadores ficaram infetados, obrigar estes homens a jogar de 4 em quatro dias (às vezes, de três em três), durante oito meses consecutivos, para que todas as competições nacionais e internacionais se cumprissem, foi um ato de insensatez, desumanidade e alta perigosidade para a saúde e para a vida dos jogadores.
Aquilo que aconteceu ao dinamarquês Eriksen é, na minha opinião, uma consequência deste circo de feras em que se transformou o futebol, em que a morte por exaustão está cada vez mais perto de acontecer. Eriksen sobreviveu e o mundo do futebol respirou de alívio, pois sente a consciência pesada.
Os patrões do futebol precisam de perceber que os adeptos não amam um futebol desumano, ganancioso, ao serviço dos interesses televisivos.
Podemos ter menos futebol. Se calhar precisamos de menos competição para voltarmos a gostar de futebol, sem nos preocuparmos com os milhões que os jogadores ganham, mas apenas com o bom futebol, com as vitórias, as derrotas e os empates. Precisamos de gostar dos jogadores e das equipas sem detestar os adversários. Diria mesmo que precisamos de reconhecê-los e admirá-los.
O fair play não é, nem pode ser, um quadro que fica bem mostrar numa publicação do Instagram ou do Twitter.
A saúde mental, física, afetiva do futebol (jogadores, treinadores, adeptos, dirigentes) precisa que este desporto nunca perca a humanidade.
O que aconteceu a Christian Eriksen não foi um acaso e esteve bem para lá de um susto, foi um AVISO.
Gabriel Vilas Boas