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domingo, 27 de junho de 2021

QUE MÚSICA ESCUTAS TÃO ATENTAMENTE QUE NÃO DÁS POR MIM ?

 


Não sei como vieste,

mas deve haver um caminho

para regressar da morte.


Estás sentada no jardim,

as mãos no regaço cheias de doçura,

os olhos pousados nas últimas rosas

dos grandes e calmos dias de setembro.


Que música escutas tão atentamente

que não dás por mim?

Que bosque, ou rio, ou mar?

Ou é dentro de ti

que tudo canta ainda?


Queria falar contigo,

Dizer-te apenas que estou aqui,

mas tenho medo,

medo que toda a música cesse

e tu não possas mais olhar as rosas.

Medo de quebrar o fio

com que teces os dias sem memória.


Com que palavras

ou beijos ou lágrimas

se acordam os mortos sem os ferir,

sem os trazer a esta espuma negra

onde corpos e corpos se repetem,

parcimoniosamente, no meio de sombras?


Deixa-te estar assim,

ó cheia de doçura,

sentada, olhando as rosas,

e tão alheia

que nem dás por mim.


Eugénio de Andrade, in 'Antologia Poética

domingo, 20 de junho de 2021

É PENOSO VER QUE PORTUGAL CONTINUA UM PAÍS ATRASADO, APESAR DE TANTO APOIO

 Durante décadas entraram em Portugal milhões e milhões de euros em apoios comunitários e a vida dos portugueses melhorou um pouco, mas não tanto como o de outros cidadãos europeus que tinham piores vidas que as nossas há vinte anos.

Elisa Ferreira coloca a questão como ela deve ser colocada: é penoso, triste, incompreensível ver que Portugal é ainda um país da coesão, ou seja, um país que precisa da ajuda de outros países da UE. Um país que pensa como um adolescente, sempre a pedir mesada aos pais, apesar de já ter 35 anos de União Europeia e depois da sua entrada já ter visto mais 15 países entrarem para o clube europeu.

E a situação não tende a melhorar porque o governo português já nem quer dinheiro emprestado, quer dinheiro dado.

Desenvolver projetos em que tenha de colocar a sua parte (por mais pequena que seja) e dar conta da rentabilidade do investimento quase que deixou de ser opção estrutural. 

Pior que não ter dinheiro é não saber o que fazer com ele. Os portugueses sabem os restaurantes com estrela Michelin em Portugal, as aventuras do do rei Emérito de Espanha, os devaneios amorosos das estrelas de futebol portuguesas, mas não conhecem dez projetos portugueses que aplicaram, com sucesso, os fundos que a UE disponibilizou a Portugal. Muito menos sabem quais a empresas portuguesas que começaram por recorrer a esses fundos, mas atualmente já os dispensam porque ganharam asas suficientemente fortes para não estarem dependentes de ajudas. 

O que Elisa Ferreira não disse ou não quis dizer foi a razão pela qual o nosso país continua alegremente a fazer o papel de pedinte. 

Eis parte da resposta:


Corrupção e Incompetência. 
O palco é sempre ocupado por  quem desviou, por quem "roubou", por quem se deixou corromper. Para encontrarmos um bom exemplo de empreendedorismo temos de recorrer a um homem como Rui Nabeiro, que já fazia fortuna com preocupação social há cinquenta anos, ou seja, quando não havia fundos de coesão. 
Portugal não  tem falta de qualidade humana, nem técnica, mas continua, na minha opinião, com uma mentalidade pequenina, que acha que o futuro de uma nação se constrói segundo o paradigma  "temos de sacar uns milhões a Bruxelas", para fazer umas autoestradas e pagarmos mais uns grupos de estudos para o novo aeroporto ou para mais uma travessia sobre o Tejo ou o Douro. Tudo se resume, no fundo, em mais betão.
Onde estão as empresas nacionais do setor energético? Ou da área da medicina e do medicamento? Ou da produção alimentar? Se retirarmos as empresas ligadas aos serviços e turismo, quantas empresas nacionais temos com mais de dois mil trabalhadores?

Toda o adepto de futebol atira à cara  do presidente do Benfica os 100 milhões investidos na última época desportiva, na equipa de futebol, em que obteve zero títulos. Ninguém sabe sequer quantos milhões o governo de Portugal recebeu de Bruxelas nos últimos oito anos, nem o destino que lhes deu.

Gabriel Vilas Boas.


terça-feira, 15 de junho de 2021

O RONALDO DE QUE PORTUGAL PRECISA

 

Para Portugal, hoje «começa» o Europeu de futebol. A  lógica diz  que a Hungria é o adversário teoricamente menos  difícil, mas os húngaros jogam no seu Puskas Arena, num estádio estranhamente cheio de público. 

Que seleção teremos? Uma equipa que empata com os fortes e ganha aos fracos? Uma equipa que joga para Ronaldo ou uma seleção capitaneada pelo melhor futebolista português de sempre?

Ao final de cinco europeus,  Ronaldo ainda pode ser especial e  fazer a diferença, se tiver a inteligência de perceber que tem de ser diferente. Precisamos que tenha uma atitude de capitão, um pensamento coletivo e esqueça os recordes ainda por bater, por mais sedutores e gloriosos que sejam.

Um capitão disposto a fazer brilhar os colegas, para que estes não se sintam na obrigação de endossar a Ronaldo a glória do golo ou da vitória.

Não é fácil este novo papel de Ronaldo, até porque ele não está (nunca esteve) talhado para ele. Ronaldo é suficientemente inteligente para perceber que já não é o mesmo de há cinco anos, mas também não é certo que seja capaz de ser a mão que embala o campeão. Se o quiser ser, já é uma grande ajuda. Não pode é ficar a meio caminho na sua intenção. E talvez aqui seja a parte em que Fernando Santos tem de entrar. As suas últimas declarações ("A seleção tem de se adaptar ao facto de Ronaldo não defender") não me parecem as mais assertivas e revelam uma subserviência, ao craque madeirense, desnecessária. 

Ronaldo mantém o killer instinct dos predadores, a mentalidade dos vencedores, mas as pernas e o corpo não conseguem iludir os 36 anos. É a ele que cabe a decisão de tentar ser herói com outra capa. 

A seleção nunca foi tão coletiva e coesa, respeitada e consciente das suas forças e fraquezas. A Ronaldo, apenas se pede que seja o capitão de um grupo que ainda precisa muito dele para o fazer sair em glória.

Gabriel Vilas Boas

domingo, 13 de junho de 2021

NÃO FOI UM SUSTO, FOI UM AVISO


 Christian Eriksen foi um nome que muitos, ontem, repetiram, num misto de comoção, apreensão e alívio. O mais talentoso futebolista dinamarquês da atualidade esteve a muito pouco de marcar o Europeu do Covid da forma mais negra e dramática que um adepto do futebol poderia supor. 
De um momento para o outro, caiu inanimado no relvado e, por longos/breves minutos, milhões de espetadores temeram a sua morte. O coração teria colapsado, mas a rápida intervenção dos médicos impediu um final trágico.
Eriksen recupera no hospital e os colegas foram induzidos a voltar ao campo, onde perderam com a Finlândia. Nada daquilo fazia sentido já, mas o mundo do futebol há muito deixou de ser intrinsecamente humano. 

Hoje, o selecionador dinamarquês percebeu mais claramente o que ontem intuía  "Se calhar devíamos ter entrado no autocarro e vindo embora, veríamos o que aconteceria noutro dia. Mas foi uma decisão dura, difícil. É fácil olhar para trás e falar, mas tenho a sensação de que foi errado. Mas quero dizer que estou extremamente orgulhoso do grupo de jogadores que lidero e que, ontem, o futebol mostrou a cara certa".

Reagiu com a cara certa, mas anda com a postura errada há muito tempo. O futebol é um desporto e um negócio, mas continua a ser jogado por seres humanos e não por máquinas. Esta época desportiva foi jogada em condições pouco recomendáveis para a saúde dos atletas. Os melhores (aqueles que também estão agora a jogar o Europeu de Futebol) jogaram mais de cinquenta jogos, de grande nível de exigência física e mental, em oito meses, quando a época normal contempla dez.
Num ano de Covid, em que muitos jogadores ficaram infetados, obrigar estes homens a jogar de 4 em quatro dias (às vezes, de três em três), durante oito meses consecutivos, para que todas as competições nacionais e internacionais se cumprissem, foi um ato de insensatez, desumanidade e alta perigosidade para a saúde e para a vida dos jogadores. 


Aquilo que aconteceu ao dinamarquês Eriksen é, na minha opinião, uma consequência deste circo de feras em que se transformou o futebol, em que a morte por exaustão está cada vez mais perto de acontecer. Eriksen sobreviveu e o mundo do futebol respirou de alívio, pois sente a consciência pesada.


Os patrões do futebol precisam de perceber que os adeptos não amam um futebol desumano, ganancioso, ao serviço dos interesses televisivos. 
Podemos ter menos futebol. Se calhar precisamos de menos competição para voltarmos a gostar de futebol, sem nos preocuparmos com os milhões que os jogadores ganham, mas apenas com o bom futebol, com as vitórias, as derrotas e os empates. Precisamos de gostar dos jogadores e das equipas sem detestar os adversários. Diria mesmo que precisamos de reconhecê-los e admirá-los.
O fair play não é, nem pode ser, um quadro que fica bem mostrar numa publicação do Instagram ou do Twitter. 
A saúde mental, física, afetiva do futebol (jogadores, treinadores, adeptos, dirigentes) precisa que  este desporto nunca perca a humanidade.
O que aconteceu a Christian Eriksen não foi um acaso e esteve bem para lá de um susto, foi um AVISO.

Gabriel Vilas Boas

sexta-feira, 11 de junho de 2021

A MEMÓRIA É O MELHOR LUGAR PARA O AMOR MORAR

Enquanto almoçava com a minha mãe, ela lembrou-me que há 75 anos nascia o meu padrinho, Alberto Magalhães Araújo. 
Aquela recordação não fora premeditada, mas não surgiu por acaso. A minha mãe e o meu padrinho eram irmãos e amigos extraordinários, cujas personalidades se completavam. 


Apesar do meu padrinho ter-se ausentado eternamente há mais de vinte anos, sei que a sua memória habita permanente o coração da minha mãe. E hoje confirmei que a sua memória está afinadíssima. foi essa memória que me fez sorrir tantas vezes ao longo do almoço. Comover também. 


O meu padrinho foi a primeira pessoa que quis ser. Não por ser meu padrinho nem pela família dizer que éramos fisicamente muito parecidos. O que me fascinava era a sua inteligência emocional, a postura cavalheiresca, o prazer de conversa, a cultura que perfumava as suas palavras, a docilidade do seu trato. 


Infelizmente a vida não me permitiu privar com ele os anos que ele e eu merecíamos ter convivido, mas a memória é um afeto persistente  e, por mais que o tempo teime em esticar o Tempo, o afeto que eu e toda a família sentem por ele torna-nos próximos. 

O amor fornece o melhor oxigénio que a memória podia ter. É por causa dele que a memória persiste em cada um como guardiã do nosso melhor tesouro.

Gabriel Araújo

terça-feira, 8 de junho de 2021

A ARTE DE PERDER



A arte de perder não é nenhum mistério.
tantas coisas contém em si o acidente
de perdê-las, que perder não é nada sério.
Perca um pouco a cada dia. Aceite austero,
a chave perdida, a hora gasta estupidamente.


A arte de perder não é nenhum mistério.
Depois perca mais rápido, com mais critério:
lugares, nomes, a escala subsequente
da viagem não feita. Nada disso é sério.
Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
lembrar a perda de três casas excelentes.

A arte de perder não é nenhum mistério.
Perdi duas cidades lindas. Um império
que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.
Mesmo perder você (a voz, o ar etéreo, que eu amo)
não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser um mistério
por mais que pareça muito sério.

Elizabeth Bishop

segunda-feira, 7 de junho de 2021

FICHEROS SECRETOS PORTUGUESES

FICHEIROS SECRETOS é o mais recente livro de Luís Osório. Dentro do livro há um país. 

Esse foi um dos objetivos do autor (ele que já dirigiu rádios e jornais e editou livros, onde se desvendou e desvendou Portugal).

"De que maneira, contando pequenas histórias de Portugal, eu conseguia, através também de forma como junto as histórias, encontrar um fio condutor e uma coerência global. E essa coerência global tinha como objetivo definir o país sem o definir.",  afirma o autor. Para que cada um, na sua leitura, encontre as suas definições.

"Portugal é um país muito paradoxal. Não estava destinado a ter uma vida de 900 anos. Estávamos destinados a sobreviver, a ser discretos, a ter uma língua que não magoasse, apesar da nossa língua ser muito rugosa, não é comparável com a língua catalã ou com a língua basca, línguas de combate. A nossa língua é compromisso."

Mas Portugal tem outros paradoxos. O fado e o sol. A música, essência do país, que não se dança quando à tanta luminosidade à volta. "Criámos um som que corporiza uma ideia de melancolia quando a luz que nos entra pela janela afasta essa ideia."

Mais paradoxos. Os que partiram em caravelas e os que ficaram a dizer mal dos que foram. O país na primeira linha das campanhas que apelam à generosidade e na primeira linha "dos atos mais mesquinhos de egoísmo e inveja". "Somos capazes da maior euforia e de depressão na mesma hora do dia."

Luís Osório fala da bipolaridade de sonhar e matar o sonho no segundo seguinte. Talvez por isso afirme: "Somos extraordinariamente únicos."

Sara Dias Oliveira.





domingo, 6 de junho de 2021

A BOLHA DE SABÃO

 


O   Algarve é o Inatel dos ingleses e o seu sonambulismo alcoólico é uma fonte inestimável de  receite como atestam os barris de cerveja vendidos na Ribeira, mais as  camas. 

Acreditar que se metiam 20 mil numa bolha foi inocência ou sonsice. Como servir imperiais numa bolha? Pensando pela realidade, António Costa vendeu um pacote de cerveja e sol isento de taxas. 

Dizendo não, o turismo agitaria a bandeira da ruína (o sector queixa-se do número de ingleses que entra no país: 10% do que era em 2019, cinco mil por dia em vez de cinquenta mil). 

Dizendo sim, tratou-nos como aldeões e deu o peito aos snipers.

A paga por resolver o berbicacho à UEFA e a Boris Johnson foi sair da lista verde turística. quanto mais o pobre se verga, mais mostra o rabo. No ultimato de 1890 ainda houve um peditório indignado para comprar um cruzador que enfrentasse a armada britânica, mas só pagou meio barco. Hoje, só cortando a cerveja, mas a Super Bock e a Sagres não permitiriam.

Carlos Tê

sábado, 5 de junho de 2021

TRAGO TEU CORAÇÃO COMIGO



Trago o teu coração comigo (trago-o dentro do meu coração)
nunca estou sem ele
(onde eu vou tu vais, minha querida; e tudo o que seja feito por mim somente é um feito teu, meu amor)
não temo destino algum
(porque és tu o meu destino, doçura)
não desejo mundo algum
(porque tu, bela, és o meu mundo, a minha verdade)
e és tu o que quer que seja que a lua sempre tenha significado
e o que quer que seja que um sol cante para sempre és tu.
Eis o segredo mais fundo que ninguém sabe
(eis a raiz da raiz e o botão do botão
e o céu do céu da árvore chamada vida;
que cresce mais alto do que a alma pode esperar
ou a mente ocultar)
e esta é a maravilha que mantém as estrelas distantes
Trago o teu coração (trago-o dentro do meu coração).


Edward E. Cummings