Como cegos, tacteamos uma estrada lenta e cheia de armadilhas, onde ainda estaremos por mais tempo. Reiniciar a vida em modo de segurança foi uma obrigação que só engolimos em estado de emergência, porque nos esquecemos há muitos anos do essencial.
Tivemos de voar em contramão, com a segurança de uma máscara, desconfiando de qualquer impureza microscópica, temendo abraços verdadeiros, negando beijos autênticos.
Um vírus com cara de sereia enganou-nos com perfídia e deixou-nos em confusão e discórdia. Pior que as mortes é a constante sensação de vulnerabilidade, o sequestro da confiança, o confinamento da alegria.
Hoje, os desejos de felizes realizações para o novo ano são temerosos e retóricos, porque a tempestade ainda nos sorri em desafio.
Abrunhosa canta que não estamos sós na tempestade, pois há anjos de verdade que nos enchem a angústia de esperança e desembaciam os olhos salgados, mas a verdade é que o Natal teve menos pessoas à mesa, pessoas que não voltaremos a ver e nos deixaram definitivamente mais sós e mais pobres.
Por muito que nos custe, e custa, somos apenas mais um elemento, renovamo-nos sem permanecer. Há certamente beleza no despontar de uma nova vida, belas promessas de felicidade em sorrisos jovens, mas este ano 20 só me deixa a memória de um vento louco de outono que depenou belas árvores cuja beleza eu ainda não tinha admirado por completo.
GAVB
Sem comentários:
Enviar um comentário