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domingo, 29 de dezembro de 2019

O QUE UMA MULHER NUNCA PERGUNTARIA



Há uma arte de perguntar e uma ética. 
O modo como perguntamos diz muito do modo como pensamos. 
A Major senegalesa Seynabou Diouf, que acaba de ser distinguida com o prémio “Mulher Polícia das Nações Unidas”, tocou numa ferida, a todo o instante reabertas, pelo modo como as nossas perguntas transportam uma visão distorcida do mundo. 

Lendo o que o jornal El País conta do seu percurso e da sua ação em várias missões das Nações Unidas, percebo o sentido mais justo daquela ideia de Mário Quintana, para quem pouco importavam as respostas certas. «O essencial, era fazer as perguntas certeiras» sublinhava ele. Por alguma razão Confúcio não procurava saber as respostas, antes procurava entender as perguntas. 

Há um episódio curioso no início da carreira da militar senegalesa, em 1985. No primeiro dia da sua incorporação na polícia nacional do Senegal, esqueceram-se de a avisar. Era a primeira vez que uma mulher estava nessas condições. 
Ela não faz, quanto a este incidente, qualquer pergunta! Ao longo destes anos ocupou-se de assuntos como o da prostituição de crianças em Dakar. Esse trabalho levou-a à inclusão em missões de paz no Sudão, no Mali e na República Democrática do Congo, onde continuou a denunciar os abusos sexuais sobre a população. 

Criou o primeiro Fórum de Mulheres da missão da ONU no Sudão e uma rede de mulheres no Mali; liderou um grupo de trabalho sobre as questões de género na missão das Nações Unidas na República Democrática do Congo, que registou quase uma centena de casos de exploração sexual de mulheres, por parte do próprio pessoal das Nações Unidas. O resultado desse trabalho levou-a a sublinhar, com orgulho, que, desde o ano passado, não há qualquer registo de denúncia. 
O prémio que agora lhe foi atribuído confirma a importância do envolvimento de mulheres na luta contra o abuso e exploração sexual.
E o que é que isso tem a ver com a justeza das perguntas? 
Deixo à vossa consideração esta frase da militar senegalesa, agora distinguida: 

«Uma mulher nunca te perguntará o que levavas vestido quando foste violada; mesmo que estivesses nua, isso não justificaria a violação.» 


Isso leva a procurar o Livro das Perguntas de Neruda:

«Diz-me, A Rosa está nua ou só tem esse vestido?»


Fernando Alves Guerra, Sinais, TSF, 29-11-2019

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