Uma grande vénia aos atores, à autora do texto, ao fabuloso momento teatral vivido recentemente no Teatro de Vila Real.
“Intimidade Indecente” foi, provavelmente, o melhor espetáculo teatro que vi nos últimos meses, o que não é de estranhar, porque o espetáculo praticamente esgotou todas as salas portugueses por onde passou neste final de outono, apesar de já estar em cena há dezoito anos.
A peça começa com uma discussão banal entre o casal, Roberta e Mariano. Aos 50 anos de idade e 20 de vida em comum, o casal fala sobre sexo e desejo. Roberta queixa-se que o marido já não a deseja sexualmente.
A justificação de Mariano vai direta ao coração do problema de muitos casais de cinquenta anos: perdera o «tesão» pela mulher e pela vida, apesar de amar ambas. Obviamente a discussão instala-se e no meio dela, o marido acaba por confessar um caso com a melhor amiga a da filha, uma jovem de dezassete anos, o que determina o divórcio do casal, já que Roberta o expulsa de casa.
Dez anos depois, dá-se o primeiro reencontro. Roberta está vivendo com Lea, uma mulher mais jovem que a faz redescobrir os prazeres do sexo, entretanto adormecidos, nos últimos anos de um casamento monótono. Já Mariano fora abandonado pela jovem amiga da filha e trocado por outro homem bem mais novo – como seria de esperar.
Outra década passa, entretanto, Roberta aparece sozinha, gozando apenas a companhia do seu caniche enquanto Roberto, visivelmente, mais velho, anuncia que vive na companhia de uma secretária / enfermeira, que, de quando em vez, o contempla com pequenos favores sexuais, ainda que ele tenha absoluta consciência que o interesse desta é materialista.
Mais dez anos volvidos e o casal volta a reencontrar-se. O andar difícil e curvado e a perda constante de memória denunciam alguém que já passou a barreira dos oitenta. Mariano lamenta ter “um dia ter-se revelado a verdade”. Melhor teria sido manter a vidinha mediana e feliz de sempre. Seria?
O lançamento da peça junto do público promete paixão, sexo, traição, companheirismo, abandono, amor, preconceito, solidão. É muito, mas não é tudo. Quem assiste à peça vê mais do que a interpretação de um fabuloso texto de Leilah Assumpção, que nos atira à cara a aquilo que já somos ou provavelmente poderemos vir a ser quando «o tesão» de viver murcha e tentamos, por meios errados recuperá-lo, como se houvesse elixir da juventude em qualquer pele ou sexo de um(a) jovem.
Durante todo o espetáculo o humor está presente, como algo que esvazia o dramatismo de algumas conclusões cruéis que vamos assimilando, mas o principal é mesmo a emoção e a reflexão que o texto nos proporciona.
E depois há a fabulosa interpretação de Marcos Caruso. Há quinze anos, na primeira apresentação da peça em Portugal, ele fez-se acompanhar de Irene Ravach. Desta vez, a parceria foi com Vera Holtz e não se pode dizer Vera não estivesse à altura da exigência e da comparação.
O que mais me impressionou, do ponto de vista cénico, foi a maneira excecional como Caruso e Vera Holtz souberam envelhecer as suas personagens sem sair de cena, sem trocar de maquilhagem, sem mudar o cenário. Os atores vão dos 50 aos 80 anos apenas por meio de um primoroso trabalho corporal e vocal. A postura, o gestual, as manias, expressões...é impressionante! Tem-se mesmo a impressão de que temos personagens de diferentes idades em cena.
Apesar da extrema qualidade da interpretação de Vera Holtz, Caruso é um ator à parte. Numa palavra: excecional.
Como a peça! Como a vida, também…
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