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sábado, 12 de dezembro de 2020

O GOVERNO DESCOBRIU QUE PRECISA DE CONTRATAR MÉDICOS


 O governo português abriu 462 vagas para contratar médicos especialistas. Não porque precise deles para combater a pandemia, mas porque o sistema nacional de saúde, já não aguentava mais tal carestia de meios. 

Ao fim de quase seis anos de governo PS, apoiado pelo BE e pelo PCP, as autoridades portuguesas descobrem que lhe faltam quase 500 médicos no SNS. Incrível o tamanho da hipocrisia política!

Depois de anos a deixar sair médicos e enfermeiros do SNS, sobrecarregando até à exaustão aquelas que recusaram abandonar os seus doentes, o governo acena aos médicos do privado com a contratação pública. 

O mais certo é grande parte das vagas ficarem por preencher, porque trabalhar para o Estado português deixou de ser motivo de orgulho, para muito profissionais de saúde, tais foram as desconsiderações, falta de incentivos reais e parcas condições de trabalho que o ministério da saúde dedicou (e ainda dedica) a muitos profissionais. 


Hoje, uma parte significa dos médicos e enfermeiros formados em Portugal não querem trabalhar para o SNS porque descreem de quem os dirige e governa, porque sabem que jamais serão recompensados pelo seu esforço e dedicação, porque não veem grande perspetiva de carreira dentro do Estado. 


É um sintoma preocupante de doença do sistema público português quando nem a carreira de médico em funções públicas é suficientemente atrativa para um jovem licenciado. 

A diabolização daqueles que serviram (muitos ainda servem) o Estado português, nos hospitais, nas esquadras, nas escolas, nas repartições começa a produzir os seus nefastos efeitos e tem dois grandes responsáveis: os partidos políticos, que não souberem nem governar nem defender médicos, professores, polícias, magistrados, e grande parte da população (bem instrumentalizada por partidos e fazedores de opinião) que foi sugerindo que o serviço público era medíocre e dispensável. Não era, mas está a caminho.

Qualquer cidadão minimamente consciente sabe perfeitamente que são necessários bons médicos, bons professores, bons magistrados, bons polícias. Como sabem que não podemos achincalhar e enganar profissionais competentes e sérios, porque, por mais amor que tenham ao seu país e aos seus concidadãos, eles também têm dignidade.

A ministra da saúde quer contratar cinco centenas de médicos especialistas. Ela sabe que provavelmente não o conseguirá. Grande parte da culpa não é dela, mas será mais uma vez ela a pagar a fatura do insucesso. 

Tanta vezes médicos  enfermeiros lhe pediram uma audiência, reclamaram por ajuda e obtiveram uma mão cheia de nada. Agora são eles que não têm tempo para atender um governo doente e uma ministra cansada e sem soluções para o SNS. Talvez ela perceba finalmente que os doentes não se tratam com finais da Champions em Lisboa.

GAVB


quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

FIQUEI COM TANTO ÓDIO A PORTUGAL

 


É obviamente uma frase forte, que atinge cada português, mas tem justificação na dor de uma mulher que viu o seu marido ser assassinado [não encontro outro termo que defina melhor o que aconteceu há nove meses] numa sala do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, em Lisboa. 

Lhor Homenyuk era um homem como tantos outros que tentam obter autorização para entrar. Não era um criminoso, um assassino, um terrorista. Isolado, algemado, agredido, Lhor teve uma morte lenta e agonizante, como refere o relatório da autópsia.

Nove meses volvidos, as autoridades portuguesas, com o Presidente da República à cabeça, começam a acordar para a gravidade da situação. Só agora Marcelo descobrir que "se há um pecado mortal do sistema, este SEF não serve". 

Caro Marcelo, não há um pecado mortal do sistema, mas houve um crime! Cometido por inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras contra um cidadão estrangeiro, sem qualquer justificação. 

Nove meses para apurar factos e responsabilidades daquilo que parece óbvio? Muita paciência tem tido o governo ucraniano com as autoridades portuguesas, que, a cada dia que passa, mais se enterram numa culpa fatal.

Claro que agora, passados nove meses sem os culpados condenados, a culpa é de quem dirige, governa e preside. Não só a diretora do SEF, mas também o ministro da administração interna, Eduardo Cabrita, e de quem o mantém [António Costa] porque esta mancha sobre o nome de Portugal é cada vez mais negra e profunda; e de quem não percebeu que o nome do país chafurdava na lama da xenofobia e da violência policial, aos olhos incrédulos dos cidadãos nacionais e estrangeiros - Marcelo Rebelo de Sousa.

Em vez de discutir quem tem mais culpa, cabe ao Presidente pegar na esfregona e começar a limpar a porcaria. Se começar por cima, ou seja, no ministro, é certo que rapidamente se chegará à condenação dos autores materiais.

É cortante ter de entender as razões de quem rasga o silêncio da dor com este "Fiquei com tanto ódio a Portugal".    

 Gabriel Vilas Boas

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

ALGUMA VEZ TE MENTI?

 

Conhecemo-nos há muitos anos na festa do Avante metidos numa tenda como as cartomantes a autografar romances e a comer a poeira internacionalista da Ajuda. 
Lia-te desde a adolescência. Recordo-me da Seara de Vento com a capa do pintor Vespeira, de encontrar alguns dos teus poemas na antologia que Jorge de Sena fez das líricas portuguesas. 
Encontrámo-nos no pó. Gostei do teu sorriso. Ficámos amigos. 

Jantávamos em tabernas do Bairro Alto e em restaurantes chineses, iluminavas o shop-suey com os teus olhinhos divertidos, passeávamos noite fora pela Praça das Flores e às quatro, cinco, seis sete da manhã deixava-te no Cais do Sodré porque nunca consentiste que te levasse ao Seixal, e eu ficava a ver-te afastar de boné de guarda-redes na cabeça na direção do primeiro barco ou do último tasco, onde os travestis de voz subitamente grossa escondiam a sementeira da barba sob um reforço de cremes. 

Tu falavas e eu ouvia. Às vezes abria a boca para perguntar
- Tens escrito?
tu respondias depressa de mais
-Claro que sim

e eu sabia que não era verdade, que não trabalhavas, que talvez de tempos a tempos te sentasses à mesa em Santiago, diante do papel, mas havia qualquer coisa, não sei bem o quê, que te impedia de escrever, uma amargura que o pudor não deixava revelar, a dor de não te darem a importância e o lugar que eram os teus, o reconhecimento que neste país de oportunidades e de modas ofereciam a outros que não tinham o talento de começar uma história com a frase soberba Antigamente o largo era o centro do mundo, oito palavras sábias e mágicas que valem centenas de páginas que para aí se publicam.
De maneira que quando chegava a Feira do Livro, postava-me junto à barraquinha do teu editor, arengava às pessoas para comprarem os teus livros, agarrava-as pelo braço, mostrava-lhes o Cerromaior, mostrava-lhes a Aldeia Nova no tom dos vendedores de xarope para o cancro da Feira da Ladra, e ao fim do dia descíamos o parque, eu sempre a gritar

- Uma tarde estava eu na Praça da Liberdade chega um cavalheiro à minha beira e diz. Você está medalhado. Medalhado eu que não pratico ciclismo atletismo ou alpinismo? Medalhado sim porque com os romances do Manuel você tirou a bicha do corpo daquela criança, aquela maldita que a roía

e tu a rires ao meu lado até o crepúsculo se fechar sobre nós como uma redoma em cima de dois santinhos de barro, cada qual com o seu cálice de ginja num balcão dos Restauradores que é onde os santos se abastecem para a travessia da noite. De cotovelos no tampo de pau cheio de riscos e de auréolas roxas de copos de vinho perguntava-te
- Tens escrito?
e tu
- Claro que sim
e eu
- A sério?
e tu de pálpebras apertadas muito convicto
- Alguma vez te menti?

Parece que esta semana houve imensa gente a visitar-te. Eu não. Primeiro porque seria de mau tom perguntar se tens escrito diante de uma data de estranhos. E segundo porque fiquei perto do telefone à espera de ouvir a tua voz do outro lado a convidar-me para o nascer do sol na Ribeira, sobre as chávenas de cacau da madrugada.
Ainda aqui estou ouviste? E mesmo que me garantam que te levaram dentro de uma caixa para Santiago não saio do pé do aparelho já que sei (foi sempre assim) que daqui a nada vais chamar-me.

António Lobo Antunes 

* (conto dedicado à memória de Manuel da Fonseca)


terça-feira, 8 de dezembro de 2020

NUNCA FUI COMO TODOS




Nunca fui como todos
Nunca tive muitos amigos
Nunca fui favorita
Nunca fui o que meus pais queriam
Nunca tive alguém que amasse


Mas tive somente a mim
A minha absoluta verdade
Meu verdadeiro pensamento
O meu conforto nas horas de sofrimento
não vivo sozinha porque gosto
e sim porque aprendi a ser só..

Florbela Espanca

segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

MARCELO DIZ QUE É O MESMO. E OS PORTUGUESES QUEREM O MESMO TIPO DE PRESIDENTE?


    
    Finalmente Marcelo Rebelo de Sousa apresentou a sua recandidatura à presidência da república. Esta era uma ação esperada assim como é esperado que Marcelo precise de fazer pouca campanha para ser reeleito. 

    Marcelo é o melhor que Portugal podia ter, no momento em que vive, ou é simplesmente o melhor dos candidatos? 

Acho que para responder a essa pergunta é preciso fazer um balanço do que foi o 1.º mandato de Marcelo Rebelo de Sousa. 

Que nota daria o prof. Marcelo ao presidente Marcelo?

Marcelo aproximou muitíssimo o Presidente da população. Porventura até demasiado, de maneira que em certos momentos pareceu mais popularucho do que popular. E quando se apercebeu disso, algum do encanto já se tinha desvanecido. No início do seu mandato, Marcelo criou a ilusão que finalmente a magistratura de influência do Presidente ia ser suficientemente forte para fazer diferente: os mais desprotegidos iam ter o seu conforto mínimo garantido, os sem-abrigo desapareceriam, as desigualdades gritantes seriam atenuadas, os mais velhos ganhariam o respeito e a consideração da sociedade. Não foi bem isso que aconteceu.

 

Marcelo cooperou com o governo, mas não trouxe à governação socialista o toque de Midas que ele esperava, por que há problemas estruturais que demoram anos a resolver e sobretudo exigem gente capaz de medidas corajosas. E estas duas premissas não estão garantidas com o governo de António Costa.

    Muitas das intenções de Marcelo ficaram-se apenas por intenções e houve momentos de fracasso claro. Marcelo quis estar próximo do governo, assumindo uma espécie de governação em co-autoria, por isso são também dele o fracasso na maneira como foi gerida a resposta aos grandes incêndios de 2017 e o alastrar da pandemia da COVID-19, no Outono de 2020. 

    O Presidente não foi enérgico, determinado e exigente com o governo como devia. Preferia marcar posição em Tancos, que teve muito mais de anedótico do que de grave.

Ao recandidatar-se, Marcelo disse fazê-lo por três razões:

"Porque temos uma pandemia a enfrentar. Porque temos uma crise económica e social para vencer. Porque temos uma oportunidade única de, para além de vencer a crise, mudar para melhor Portugal, na economia, mas sobretudo, no nosso dia a dia, reforçando a nossa coesão social e territorial."

    Ao ler isto, pensei que Marcelo se estava a candidatar a governo e não a presidente. Não é ele que governará e por isso seria interessante que Marcelo dissesse como pretende ajudar a governar melhor, ou seja, que grau de exigência terá com o futuro governo, que até pode ser uma geringonça de Direita. 

Para já deu um bom sinal, ao vetar a lei da contratação pública, mas o seu veto parece quase um não-assunto. É pena, porque mexe com muito dinheiro e mostra que Marcelo não acha bem o modo como o PS pretende aligeirar os procedimentos de controle de compras públicas do Estado.

De resto, Marcelo utilizou os clássicos chavões de qualquer candidatura presidencial ou não:

"combater a pobreza e a exclusão, promovendo o emprego, com investimento, crescimento e melhor distribuição de riqueza".

O que o povo espera de um presidente que acaba mandato é um pouco mais. É que lhe explique o que falhou em cinco anos de presidência para que estes assuntos continuem a ser tema de campanha. Ou houve falhanço ou estes não são assuntos da sua competência.

Gabriel Vilas Boas

domingo, 6 de dezembro de 2020

DIGNIDADE SELETIVA

 


Este tema foi levantado, no início desta semana, pelo ministro francês da administração interna, Gerald Darmanin, quando atacou dois dos mais importantes jogadores da seleção gaulesa de futebol - Antoine Griezmann (Barcelona) e Kylian Mbappé (Paris Saint-Germain) por terem condenado veementemente (e bem) a  violenta ação da polícia francesa na prisão de um produtor musical negro e terem-se feito esquecidos quando 98 polícias ficaram feridos, ao tentar controlar um manifestação contra a nova lei de segurança, que o governo quer implementar.

O Racismo é a discriminação baseada na cor e não na cor negra. É tão digno um produtor musical negro como um polícia branco. E depois há a lei a ordem, que é preciso respeitar, mesmo que não concordemos com ela, até porque está assegurado o direito ao protesto, mas não à violência nem à dignidade seletiva.

Num país democrático até as leis são revertíveis, basta elegermos alguém que esteja disposto a isso. A violência é má. Não tem "mas", porque tem alternativa. A dignidade do ser humano é um bem absoluto. Não há dignidade negra nem branca ou amarela. Muito menos dignidade famosa ou anónima, rica ou pobre.

A maior tristeza que este Tempo me causa é a tendência para tomarmos atitudes cívicas ou públicas tendo como principal objetivo sermos notados, participarmos numa espécie de eleição de gente cool, preocupada, digna e decente. 

Não há mal nenhum em que a nossa posição seja pública, o que é perverso e egoísta é fazê-lo porque fica bem, porque queremos tirar dividendos disso. Seria bom que fosse público, quando fosse difícil de assumir para nós, e privado, quando a bendita da nossa imagem pudesse retirar disso qualquer benefício.

Esta preocupação com a imagem está a matar uma geração e um tempo tão capaz e tão inteligente, que dá pena ver tanta boa vontade e altruísmo cair aos pés da eterna vaidade.

Como diria Al Pacino no imortal "Advogado do Diabo", 

A Vaidade é o meu defeito predileto. 

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

EDUARDO LOURENÇO AMOU PORTUGAL COM UMA INTELIGÊNCIA SUBLIME





«Nação pequena que foi maior do que os deuses em geral o permitem, Portugal precisa dessa espécie de delírio manso, desse sonho acordado que, às vezes, se assemelha ao dos videntes (Voyants no sentido de Rimbaud) e, outras, à pura inconsciência, para estar à altura de si mesmo. 


Poucos povos serão como o nosso tão intimamente quixotescos, quer dizer, tão indistintamente Quixote e Sancho. 
Quando se sonharam sonhos maiores do que nós, mesmo a parte de Sancho que nos enraíza na realidade está sempre pronta a tomar os moinhos por gigantes. A nossa última aventura quixotesca tirou-nos a venda dos olhos, e a nossa imagem é hoje mais serena e mais harmoniosa que noutras épocas de desvairo o pôde ser. Mas não nos muda os sonhos.»

"Portugal - identidade e imagem" in "Nós e a Europa ou as duas razões", Eduardo Lourenço 


NOTA: Eduardo Lourenço morreu no dia seguinte ao da comemoração da morte do poeta que mais amava e admirava (Fernando Pessoa) e no dia em que passam 380 anos que Portugal recuperou a sua independência e a sua identidade enquanto povo. Profundamente simbólico.