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sexta-feira, 7 de abril de 2017

PERDOAR NÃO É PARA FRACOS


Na maneira como hoje encaramos a vivência dos sentimentos, perdoar é um sinal de fraqueza, quando não de estupidez. Quem perdoa é um tonto que acredita que quem errou uma vez, não voltará a errar, mas a maioria acha isso impossível.
Essa ridicularização do perdão assenta, antes de mais, na não assunção da culpa por parte de quem erra e na facilidade com que voltará a errar. No entanto, o perdão depende muito mais da generosidade e grandeza do coração daquele que perdoa do que da contrição daquele que falhou.

Claro que o arrependimento ajuda e predispõe ao perdão, mas não é condição absolutamente necessária nem suficiente. Há quem perdoe sem exigir um pedido de desculpas como há quem não o consiga fazer por mais arrependimento que veja no outro.

O perdão é um sentimento de grande nobreza e exigência. Nunca nos diminui, mesmo que aquele a quem o concedemos não seja digno dele. Perdoar não significa esquecer, mas obriga-nos a não estar constantemente a lembrar o erro passado, pressupõe a concessão de nova oportunidade, a real vontade de deixar o outro escrever outra história, com os mesmos protagonistas.
Nem toda a gente consegue perdoar. Muitas vezes não é porque não quer, mas simplesmente porque não consegue. Há que entender e aceitar, sem disso concluirmos qualquer motivação vingativa.

Muitos referem que só quem ama muitíssimo é capaz de um ato tão corajoso e generoso como é o perdão. É provável que assim seja, mas eu prefiro acreditar que se trata «apenas» de alguém com uma alma enorme e que não deixou de acreditar na capacidade de regeneração do ser humano.
Um dos maiores pacifistas do século XX, Gandhi, certo dia disse: “O fraco não pode perdoar. O perdão é um atributo dos fortes.” Talvez, por isso, a suposta força de muitos seja apenas um sinal de fraqueza e incapacidade de ser verdadeiramente grande.

GAVB

quinta-feira, 6 de abril de 2017

OS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO VÃO DEIXAR DE SER COISAS


Passamos dezenas de anos a dizer que o cão é o melhor amigo do homem, que adorámos gatos ou temos uma fascinação por aves. No entanto, perante a lei, estes animais da nossa afeição não eram mais do que coisas. 
Daqui a alguns dias, entra em vigor uma nova lei, que confere aos animais um estatuto jurídico que os afasta dos objetos e os aproxima do ser humano.

Quem tem animais de estimação sabe perfeitamente a importância que eles podem ter (e têm) na vida do ser humano. Essa importância vai muito para além da utilidade prática da vigia da casa ou de segurança do dono. Em muitos casos, os animais domésticos são uma companhia que abafa a solidão ou as amarguras da vida. Noutros casos, eles redimensionam de tal maneira a vida dos donos que os acolheram ou criaram as condições para que nascessem e se desenvolvesse que assumem nessas vidas um papel central.


Mudar o estatuto jurídico dos animais é um desafio à nossa maturidade social. Mais importante do que punir quem maltrata gratuitamente os animais é ampliar as condições de segurança e higiene para evitar que muitos milhares sejam abandonados todos os anos e acabem por morrer.

Por outro lado é necessário fazer ações de sensibilização para consciencializar as pessoas para a responsabilidade que adquirimos quando adotamos um animal de estimação. Como não são objetos não podem ser tratados como algo descartável, que mais dia menos dia deitaremos fora, porque nos cansamos da brincadeira ou dão muito trabalho. Obviamente darão muito trabalho, como nós também damos, e por isso temos de avaliar se o nosso amor é suficientemente forte por eles, para aguentar todos os inesperados contratempos da vida.

Além desta condição sine qua non, é preciso também perceber se temos as condições materiais e logísticas para ter connosco determinado animal de estimação.  Às vezes é um sinal de grande amor e maturidade perceber que não reunimos as condições necessárias para ter junto de nós um animal doméstico.

A nova lei pretende proteger os animais domésticos dos maus tratos, da negligência dos donos, da maldade de quem não compreende quanto amor, afeto e companheirismo eles aportam à vida de milhares de pessoas. No entanto, ela pode e deve ir mais além, permitindo que a nossa consciência cívica cresça e a nossa humanidade se desenvolva.
https://dre.pt/web/guest/home/-/dre/106549655/details/maximized

GAVB

quarta-feira, 5 de abril de 2017

UM AFETO INCONVENIENTE


Quando a chuva irrompeu, naquele dia de junho de 2016, pelo meio do discurso de Marcelo aos emigrantes portugueses em França, António Costa fez jus a toda a sua habilidade política e foi buscar um guarda-chuva para abrigar o presidente que falava à chuva. Ambos sabiam que Costa é que teria necessidade do abrigo de Marcelo, ao longo dos meses do bizarro governo socialista.
Marcelo apostava numa presidência de afetos, onde as pessoas estavam mesmo em primeiro lugar. Com o tempo, os políticos-políticos tiveram de se habituar à sinceridade de Marcelo que não se ficava apenas pelas selfies, abraços e beijinhos, como também era capaz de gestos menos mediáticos mas que entravam no coração de quem os recebia.

Quando Marcelo aludiu aos sem-abrigo, no início do inverno, todos pensaram que era mais um postal ilustrado de Natal da retórica política e que por esta altura já a genda política e mediática estaria ocupada com “coisas mais elevadas”, como por exemplo a eutanásia. Todavia Marcelo é um presidente sui generis e inconveniente. Por incrível que pareça num político, a sua presidência de afetos não é apenas retórica e ele está decidido a não deixar cair temas como a resolução do problema dos sem-abrigo, embora não seja a época mediática deles.

Hoje fez saber, através da comunicação social, que o governo deve encontrar uma solução para o caso e não apenas uma operação de cosmética. Ele sabe que os sem-abrigo não dão votos nem fotos sociais, mas também sabe que eles são pessoas, que precisam de reabilitar a sua dignidade e que a sua reabilitação pessoal e social terá uma simbologia enorme na sociedade portuguesa.
Não está a chover nem faz frio, mas Marcelo faz questão de lembrar que ainda há gente sem guarda-chuva que a proteja das próximas intempéries.   

Como António Costa é um político perspicaz já deve ter percebido que se não abrir o seu guarda-chuva pode ser que haja outro que se feche e a chuva não molhe apenas os sem-abrigo.
GAVB

terça-feira, 4 de abril de 2017

A SAUDADE DIMINUIU OU FOMOS NÓS QUE ENVELHECEMOS?



A casa estava definitivamente vazia.
Já não havia filhos para criar, netos para tomar conta, amigos para uma conversa tarde fora. Pior do que isso: a ausência deles já não lhe doía. Tinha-se habituado ao silêncio e à solidão. As notícias do mundo já não a surpreendiam, por mais rocambolescas que fossem.
Tinha resignado, para não sofrer mais. De vez em quando, o filho mais novo telefonava, para a convidar, para jantar, no fim-de-semana, lá em casa, mas recusava sempre. Sabia que o fazia por comiseração e não estava para aturar o mau humor da nora, que já tinha deixado de amar o filho, mas persistia naquele casamento de fachada, por razões económicas e de conforto social.

Não lhe apetecia pensar na vida, especialmente se fosse a sua, e no rumo que levara, mas desde ontem que não tirava da cabeça aquela tirada da desbocada do 1.º direito:
Ó Cristina, tu envelheceste tanto que já nem saudades tens!”
Sim, já não tinha saudades de nada nem de ninguém. Sempre desejou não sofrer com as desconsiderações da vida, mas não havia reparado como se tinha tornado vazia de sentimentos. É certo que não sofria, mas, a verdade, é que também tinha deixado de viver. Sentia-se velha para tudo. Um ramo seco da vida, em quem já ninguém reparava e que se comprazia a contar os dias sem outro objetivo.  

Foi até ao espelho e ficou horrorizada. Como envelhecera!!! Foi buscar o BI e olhou repetidamente para a data de nascimento. Tinha pouco mais de cinquenta anos, confirmou! Sorriu para si mesma de satisfação e considerou que aquele estúpido amuo tinha de acabar.

Pegou no telefonou, colocou aquela voz doce de mãe e ligou ao filho mais velho, que do outro lado do fio, não pode conter o espanto.
“Mãe! Que surpresa! Não estava nada à espera! Já tinha saudades de ouvir a tua voz!”
Também ela tinha enormes saudades dela. Da mulher que fora: interventiva, opinativa, realizadora.
Estava decidida a rejuvenescer, usando o truque de sempre: o Amor. Só que desta vez ia começar por si e estava decidida a não fazer poupanças.

GAVB

segunda-feira, 3 de abril de 2017

APRENDER A VIVER EM ISRAEL


A partir do momento em que os israelitas invadiram os montes Golã e resolveram aprofundar o conflito Israelo-árabe, negando absolutamente o reconhecimento do Estado Palestiniano, perceberam que teriam de viver, com o terror, o futuro. Esse futuro tem décadas de passado e é paupérrimo de esperança.
Os israelitas tiveram de se habituar às sirenes, aos ataques terroristas, às bombas nos autocarros ou no metro. O medo é o ar que respiram há anos.

Desde de 11 de setembro de 2001, o mundo ocidental foi atirado para o mesmo caldo psicológico. Os repetidos ataques a diversas capitais europeias nos últimos meses (Bruxelas, Paris, Hamburgo, Londres, São Petersburgo) provam que o terror veio para ficar e teremos de aprender a viver com ele.
Aprender a viver sem tranquilidade, sem segurança, sem paz, porque o ataque pode estar ao virar da esquina, feito por um árabe, um africano ou um europeu. 
Aprenderemos técnicas de defesa; ensinar-nos-ão como proceder em caso de ataque bombista ou com arma de fogo, como procurar abrigos, com atuar em caso de sequestro, com lidar com um psicopata.
A nossa mente, os nossos pensamentos e sentimentos serão dominados por esse tipo de sentimentos. 
Viajar será sempre um prazer toldado pelas nuvens da preocupação. Em breve sentir-nos-emos num angustiante labirinto, onde viver será um pesadelo.

E não haverá caminho de retorno, porque os fundamentalistas estão no controlo das operações. Quem acredita na paz entre israelitas e palestinianos? Já houve demasiados erros, demasiado ódio, demasiados inocentes mortes. Connosco acontecerá algo parecido. 
Sim, já vivemos enjauladas, apesar de não termos muita consciência disso. Se quisermos saber com é, é viajar até Telavive ou à Faixa de Gaza.

GAVB   

domingo, 2 de abril de 2017

SUPER-CANELADAS NO FAIR PLAY



Algum dia isto tinha de acontecer, mas aconteceu hoje, onde todos suspeitavam que acontecesse: um árbitro de futebol agredido, por um jogador, de forma tão violenta quanto despropositada, leva o juiz ao hospital e ao fim do jogo… três minutos depois de ele ter começado.
A equipa mais polémica do futebol português – O Canelas – já tinha um historial de intimidação, ameaças e agressões um pouco por todos os campos por onde passava, de tal modo que havia um pacto entre quase todas as equipas do seu campeonato para fazerem falta de comparência ao jogo com o Canelas (não se importando de perder os três pontos em questão) de maneira a pressionar as autoridades desportivas a «disciplinar» o Canelas.

O problema é que este Canelas é impossível de corrigir. Grande parte dos seus jogadores fazem parte ou estão ligados à mais temida claque portuguesa – Os Superdragões, claque oficial do F.C. Porto, que tem fama e proveito de ser uma claque intimidatória há longos anos em Portugal.
Agora dedicaram-se a jogar futebol amador, mas não era espectável que se tivessem tornado pessoas diferentes. E não tornaram. Cientes disso, os clubes que competiam com o Canelas tentaram alertar as autoridades desportivas, no caso a Associação de Futebol do Porto, mas estes não conseguem (nunca conseguiram nem conseguirão) tomar uma atitude hostil contra os Superdragões, pois entendem-na como uma atitude hostil contra o F. C. do Porto, clube do qual são maioritariamente adeptos.

O problema é que o desporto e o futebol, em particular, são um bem maior a preservar, ou pelo menos deviam ter sido. Não foram e agora há que arcar com as consequências, especialmente a nível mediático, pois os holofotes estarão, certamente, centrados em quem não teve coragem para travar, a tempo e horas, os ameaçadores Supercanelas, cujos adversários fugiam de defrontar, com medo do clima dentro e fora do relvado, não punido por árbitros, delegados associativas e forças polícias.
Até agora nunca viram nada de grave, a partir de hoje vão fartar-se de ver.
Uma claque é uma claque, uma equipa de futebol é outra coisa. Qualquer pessoa de bom senso percebe isto, mas quando o medo nos domina até as coisas mais óbvias são difíceis de entender.

GAVB

sábado, 1 de abril de 2017

UMA TARDE A VER ALMADA


A exposição sobre o artista Almada Negreiros, patente na Fundação Calouste de Gulbenkian, merece bem todos os encómios que tem recebido, pois revela-nos um artista ímpar e multifacetado em que Portugal se deve orgulhar.
O imponente quadro que marca o início da exposição, onde o grande Fernando Pessoa é pintado por Almada Negreiros, situa-nos a obra deste extraordinário artista num modernismo português cheio de gente de talento.
Ao percorrer a exposição veremos que Almada Negreiros é muitos artistas num só, um verdadeiro heterónimo artístico do modernismo. Sobressaí claramente o Almada-pintor, embora as suas facetas de desenhador, artista plástico, ator, designer, também estejam presentes.

É reconfortante pousar demoradamente os olhos sobre aquela belíssima “Maternidade”, o seu magnífico “Autorretrato”, “O Retrato de Fernando Pessoa”, “Duplo Retrato”, “Domingo Lisboeta” ou as imponentes telas da “Partida de Emigrantes”.
Sobre a genialidade Almada já este blogue fez eco em dois excelentes posts de Rosa Maria Fonseca, cuja (re)leitura recomendo:

Hoje apenas quero destacar a admiração e a satisfação com que muitos portugueses descobrem Almada Negreiros. Viu-o na cara de muitos, nos seus comentários, num orgulho incontido de estar a observar o melhor de José Almada Negreiros.
Os quadros de Almada transpiram modernidade, harmonia e sensibilidade. O artista consegue ser moderno sem lançar nenhum anátema sobre o passado, pois incorpora alguns motivos da tradição portuguesa na sua geometria moderna e colorida, onde os sentidos e os sentimentos têm sempre lugar. Como têm lugar as influências de outros grandes nomes do modernismo mundial como Picasso ou o seu amigo amarantino Souza Cardoso.


Costuma-se dizer que os olhos de Almada nos mostram o século XX. Teria sido magnífico que o mundo e Portugal tivessem tido apenas a beleza e a sensibilidade que brotaram das mãos, do coração e da alma de Almada.