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terça-feira, 18 de junho de 2019

HEI-DE INVENTAR UM VERSO QUE VOS FAÇA JUSTIÇA

Companheiros


quero
escrever-me de homens
quero
calçar-me de terra
quero ser
a estrada marinha
que prossegue depois do último caminho


e quando ficar sem mim
não terei escrito
senão por vós
irmãos de um sonho
por vós
que não sereis derrotados



deixo

a paciência dos rios
a idade dos livros



mas não lego
mapa nem bússola
porque andei sempre
sobre meus pés
e doeu-me
às vezes
viver



hei-de inventar
um verso que vos faça justiça
por ora
basta-me o arco-íris


em que vos sonho

basta-te saber que morreis demasiado
por viverdes de menos
mas que permaneceis sem preço

companheiros



Mia Couto, no livro “Raiz de Orvalho”

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