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domingo, 24 de fevereiro de 2019

HISTÓRIAS QUE FICARAM DE UM TEMPO QUE SE FOI

A tarde passeava pachorrenta pelo dia mais luminoso das últimas semanas, quando quase toda a população de uma pequena aldeia no centro de Portugal se reunia, no salão nobre da freguesia para assistir a algo surpreendente - lançamento de um livro de contos e crónicas de um dos filhos da terra.

O autor, um senhor com quase setenta anos, não contava com tantos parentes, amigos, filhos de amigos, presidente de câmara, vereadores, presidente de junta, até porque deixara de viver na aldeia há mais de cinquenta anos. Aquele genuíno carinho emocionou-o, mas não lhe torvou o entendimento para perceber duas coisas: era muito importante dizer a todos e a cada um "Obrigado"; não havia melhor audiência do que os amigos de infância para explicar como se pode prosseguir objetivos e ser feliz quando a velhice nos invade a vida. 


Perdido entre a plateia, acompanhei, à distância, os discursos de circunstância, a apresentação técnica do livro e a longa fila de gente que se formou entre todos aqueles que queriam uma dedicatória personalizada, no livro que acabavam de adquirir. 
Alguns levavam dois, três, porque havia um amigo, um parente, um conhecido a quem queriam oferecer. 
Folheei, então, o livro, ao acaso, e nele pude perceber como todos eles levavam para casa tantas memórias do que tinham sido, pedaços de ternura embrulhadas com humor e realismo, sem pretensiosismos literários.

Não sei há quanto tempo muita daquela gente não pega num livro, com prazer, mas sei que, ao pegar nestas "Histórias Que ficaram De Um Tempo Que Se Foi", vão sentir-se mais justificados, porque houve alguém, entre eles, que não parou de ser curioso, de prosseguir os seus sonhos, ainda que eles só chegassem na penumbra da vida. Pouco importa, pois chegaram bem a tempo de devolver o sorriso e memórias felizes a muita gente. 
GAVB

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

O QUE É UMA MULHER MODERNA SEM PERFIL DE VÍTIMA?

Há nas sentenças de muitos juízes e acórdãos que os sustentam verdadeiras pérolas de preconceito, misoginia, abuso de opinião, desumanização, que qualquer pessoa tem de voltar a ler, para acreditar naquilo que foi escrito.
Em outubro de 2017, o juiz presidente do tribunal coletivo de Viseu, Carlos Oliveira, colocava sérias dúvidas que uma mulher tivesse sido vítima de violência doméstica, porque "era uma mulher moderna, sem perfil de vítima". 


Como é que este homem se mantém num cargo tão importante na sociedade portuguesa, julgando pessoas, com este perfil retrógrado, preconceituoso, imoral? Como não culpá-lo enquanto autor moral das dez mortes de mulheres, em 2019, em consequência da violência doméstica?

Nas últimas semanas, Portugal foi atingido por um surto de violência doméstica.  Os números são alarmantes e das autoridades não vemos uma atitude, uma intervenção pública, um sinal de alerta. o que vemos é um encolher de ombros, como se o assunto fosse apenas um problema de algumas mulheres, quanto muito "das mulheres".

A violência doméstica é um problema da sociedade portuguesa, homens e mulheres, jovens e velhos. É um problema dos homens, pois são alguns deles "a besta à solta" que agride e mata, com uma regularidade absurda. 

A violência doméstica é um problema de todos, mas nem todos têm o mesmo poder de persuasão, nem todos têm o mesmo poder de intervenção. Infelizmente aqueles que podem fazer algo, ainda que seja um remedeio, fazem uma graçolas tristes, indignas, chocantes e revoltantes como a do juiz Carlos Oliveira.

Gabriel Vilas Boas

sábado, 16 de fevereiro de 2019

DEIXAR OS ALUNOS DO 12.º ANO SEM AULAS SERIA ÓTIMO... PARA AS ESCOLAS PRIVADAS

O líder da Fenprof, Mário Nogueira, continua a ver notícias num televisão a preto e branco, e lá vai conduzindo os professores do ensino público português para uma espécie de aldeia de irredutíveis gauleses.

Propor uma greve às aulas dos alunos do 12.º ano, durante o 3.º período, é de quem não percebe o essencial: perdia a razão e perdia a luta... definitivamente. 

Não dar aulas durante um período é objetivamente prejudicar os alunos do ensino público e colocá-los em posição desfavorável em relação aos do privado, que ficariam melhor preparados que os seus colegas do público para os exames naionais, que, obviamente, não deixariam de se realizar.

Os pais que ainda manifestam compreensão com a posição dos docentes revoltar-se-iam de forma violenta contra os professores dos filhos, até porque duas ou três semanas de greve, podem ter consequências irreparáveis para os alunos, na sua preparação para os exames.

Esta proposta de Mário Nogueira não mede as consequências mais básicas, pois dividiria totalmente a classe docente, já que muitos professores têm filhos no 12.º ano e detestariam que os seus colegas prejudicassem de modo direto e objetivo os seus filhos. Por outro lado, os colégios seriam vistos como um grande exemplo de responsabilidade educativa e social, capitalizando junto dos pais, opinião pública e alunos. 
Se Mário Nogueira conseguir concretizar a sua proposta, o governo do PS não precisa de muito mais para garantir a maioria absoluta, pois até outras lutas, de outras classes profissionais, serão desacreditadas nos media e opinião pública.

Na impossibilidade de Nogueira ligar a parabólica, era bom que deixasse usar o comando quem conhecesse os pais e os alunos que tem à frente. 

GAVB

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

UM PROJETO CARO, POUCO ÚTIL E DIVISIONISTA



A Câmara Municipal de Amarante encomendou ao arquiteto Souto Moura um projeto para requalificação do mercado municipal e uma intervenção na alameda Teixeira de Pascoaes. O renomado arquiteto apresentou o seu anteprojeto e a polémica instalou-se entre os amarantinos.
No meu entender, há neste processo e neste projeto alguns dados relevantes que deveriam ser tidos em conta, que levariam a parar o processo e, na minha opinião, a rejeitar o projeto.

1º O anteprojeto é muito polémico, havendo várias pessoas, que amam e pensam Amarante, que estão frontalmente contra.

2º Um projeto desta envergadura e com este impacto não pode… não deve ter uma oposição técnica, social, histórica e económica tão forte… mas tem!

3º Manter o mercado municipal onde ele está, requalificando-o, não é a grande paixão da maioria dos amarantinos, que preferiam outra proposta para o espaço. 

4º Mais do que intervir no mercado, o projeto propõe-se “mexer” na Alameda, ou seja,  na face mais visível da cidade, mas não há projeções 3D, que permitam perceber, desde já, como ficará a cara da cidade quando o projeto for concluído.

5º A proposta de uma larga escadaria ate ao rio é interessante, mas será uma mais valia económica, social e cultural para os amarantinos ou funcionará apenas como aporte estético?

6º Tendo por garantido (?) este upgrade estético de uma das margens, como jogará ele com a imagem projetada do outro lado do rio?

7º o projeto emagrece ainda mais a Alameda, tornando-a numa praça. É isso que os amarantinos querem? É isso que sonham para a cidade? Foi isso que o presidente da CMA pediu a Souto Moura?

8º O Mercado permanecerá no mesmo local, mas o trânsito terá forte restrições, e, no futuro, querer-se-á residual. Isto é plausível? Como se vai querer apertar o trânsito naquela zona, quando se investe fortemente num mercado que usa e abusa de carros, carrinhas, camionetas? Estão a ver as pessoas a transportar as compras, ao longo de centenas de metros, à mão, em dias de feira? Eu não. O que vejo é um Teixeira de Pascoaes ainda mais aturdido, às quartas-feiras, com o trânsito caótico à sua volta.

9º Não é o ideal em termos de mobilidade, mas a verdade é que os comerciantes e os moradores precisam que os carros passem na ponte de São Gonçalo. O projeto Souto Moura pressupõe que isso, a prazo, deixe de acontecer. É bem-intencionado, mas pouco exequível em termos sociais e económicos. E que diz Souto Moura sobre o assunto? Não quer saber, não é problema seu? E que diz o Presidente da Câmara de Amarante sobre o problema? Vai criar parques de estacionamento, nas redondezas. Se for com a rapidez e eficácia daqueles que servem a zona do Arquinho e a Rua 31 de Janeiro, podemos ficar descansados!

10º Nem a Câmara de Amarante nem Souto Moura disseram quanto irá custar a execução da obra (pelo menos um valor aproximado). O arquiteto é conhecido por gostar de trabalhar em obras / projetos “sem orçamento”. 
Há vinte anos projetou o belo, o magnífico, o laureado Estádio AXA, em Braga, por 65 milhões de euros. Já custou 165 milhões e pode chegar aos 180 milhões e é frio, pouco confortável, longe da cidade e das pessoas, além de ter uma manutenção caríssima. Sabem quem pagou? Os bracarenses, ao longo de quinze anos. A edilidade minhota já teve as contas congeladas por causa do sumptuoso estádio de Souto Moura, e por causa da renda que teve (ainda tem) de pagar à banca, deixou de fazer importantes investimentos sociais e culturais. Ora, em Amarante, o executivo camarário já atingiu o limite razoável de endividamento bancário, mas propõe lançar-se numa obra cara (e sem preço final garantido), polémica, divisionista e criadora de problemas a quem vive e trabalha no centro da cidade.
Não é sensato, não é equilibrado e pode causar danos irreversíveis, por muitos e longos anos.

P.S. Souto Moura é um grande arquiteto, mas não temos de aceitar tudo o que ele propõe como se fosse divino. Para ele, isto é só mais um projeto, para Amarante pode ser um beijo de escorpião.
Gabriel Vilas Boas

sábado, 9 de fevereiro de 2019

O MAL vs.O BEM

Só vemos o que qeremos ver? Em parte, sim. Os nossos olhos estão ligados ao nosso cérebro e é este, não aqueles, que determina se aquilo que vemos vale ou não a pena ser registado.

Nesta guerra de muitos homens contra as mulheres, que um dia terão 'amado', já todos fomos cegos, surdos e mudos. 


Ocasionalmente, um mulher mata o marido (Rosa Grilo está aí para no-lo lembrar) e acredito que também na Igreja, um par de freiras terá abusado deum padre. Mas neste negócio de matar não há comparação.
É um problema de saúde pública - o número de machos incapazes de lidar com a frustração e em quem o 'amor' rapidamente deu lugar ao ódio insano e assassino.

Aquela criança na bagageira do carro? Apenas uma vítima mais da péssima tradição que é a nossa cegueira voluntária.

Rui Zink

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

DA ARTE, DA PINTURA, DA EMOÇÃO DO DOURO EM DOMINIQUE PICHOU


 
Quinta dos Frades, Acrílico sobre papel

Gosto muito do Museu do Douro e de tudo o que ele comporta. Criado e conhecido desde 1997, alberga tesouros de cortar a respiração, que narram as memórias, a cultura e a identidade de uma região ímpar, aclamada pela UNESCO com a classificação de Património Mundial.
O rio, outrora de “mau navegar”, beija aquela terra agreste desde tempos imemoriais e acrescenta personalidade ao território enrugado pelas agruras de um clima intenso e exagerado.
Gosta-se deste Museu, reconhecido com inúmeros prémios, que surpreende pela inovação e criatividade que imprime em todos os seus projetos, de que destaco hoje a “Exposição Alto Douro visão demarcada”, de Dominique Pichou, francês de nascimento mas “un portugais coeur et âme”.


Da sua biografia, destaco a arquitetura de formação, em 1978. Envolveu-se desde cedo na criação de cenários e figurinos para o teatro, alargando a sua colaboração ao cartaz, à moda, decoração de interiores...a pintura, porém, acompanhou-o sempre, pintando em grandes formatos, sempre em paletas amenas e muito convidativas.
Convido-vos a visitar esta linda exposição.Com obras em acrílico sobre tela ou sobre papel, passando pelos fabulosos desenhos a lápis de carbono e carvão sobre papel, eis diante de nós o Douro, a sua paisagem, as suas gentes, o seu pulsar, pelos olhos de alguém que, como eu, se deixou cativar por esta terra de deuses.
Fica aqui uma amostra.
Rosa Maria Alves Fonseca


                                                      As videiras de Jorge, Acrílico sobre papel

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

ENVELHECER É O ÚNICO MEIO DE VIVER MUITO TEMPO


Envelhecer é o único meio de viver muito tempo.
A idade madura é aquela na qual ainda se é jovem, porém com muito mais esforço.

O que mais me atormenta em relação às tolices de minha juventude, não é tê-las cometido…é sim não poder voltar a cometê-las. 

Envelhecer é passar da paixão para a compaixão.
Muitas pessoas não chegam aos oitenta porque perdem muito tempo tentando ficar nos quarenta.


Aos vinte anos reina o desejo, aos trinta reina a razão, aos quarenta o juízo.

O que não é belo aos vinte, forte aos trinta, rico aos quarenta, nem sábio aos cinquenta, nunca será nem belo, nem forte, nem rico, nem sábio… 

Quando se passa dos sessenta, são poucas as coisas que nos parecem absurdas.




Os jovens pensam que os velhos são tolos; os velhos sabem que os jovens o são.
A maturidade do homem é voltar a encontrar a serenidade como aquela que se usufruía quando se era criança.
Nada passa mais depressa que os anos. 




Quando era jovem dizia:
“verás quando tiver cinquenta anos”.
Tenho cinquenta anos e não estou a ver nada. 


Nos olhos dos jovens arde a chama, nos olhos dos velhos brilha a luz.

A iniciativa da juventude vale tanto quanto a experiência dos velhos.
Sempre há uma criança em todos os homens. 
A cada idade fica bem uma conduta diferente.
Os jovens andam em grupo, os adultos em pares e os velhos andam sós.
Feliz é quem foi jovem em sua juventude e feliz é quem foi sábio em sua velhice.
Todos desejamos chegar à velhice e todos negamos que tenhamos chegado.
Não entendo a questão dos anos: que, todavia, é bom vivê-los, mas não tê-los.

Albert Camus


segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

O QUE É A GRANDEZA?


A ambição de grandeza pode fazer poderosos, mas não faz, só por si, um homem grande.
Maquievel ocupou-se deste tópico nos Discursos de Tito Lívio, lembrando o mal que pode resultar da desmesurada ambição, quando ela é orientada para satisfazer uma vontade presente.
Não apenas as revoluções devoram, muitas vezes, os seus filhos, também a ambição sem freio pode perder os que se inebriam com o poder e a desmesura desse forte afrodisíaco, como lhe chamou Kissinger.
Já o padre António Vieira lembrava num dos sermões "Não baste que as coisas que se diz sejam grandes, se quem as diz não é grande."

Há um detalhe mínimo que sempre me intrigou na franja de gente guiada pela insaciável fome de grandeza. Parece sempre mais fácil, por exemplo, pôr de acordo políticos, jornalistas, comentadores quanto à incorreção daquele plural "acordos". É mais fácil convencê-los de que a atonia é sinal de fraqueza. Difícil é levar os da mania das grandezas a deixarem de dizer «piquenos» quando reduzem o plano. Trata-se de um tique finório, um esgar de altivez na lapela dos lábios. 
Um modo afetado de fazer do pequeno, ínfimo.
Quando escuto de lábios que parecem franzir o sobrolho esta palavra assim apoucada, «piquenos», remeto, secretamente, o finório para aquele que Sebastião da Gama chamou de «Pequeno Poema».

Pequeno Poema - não deixeis de o procurar. começa assim:
Quando eu nasci,
Ficou tudo como estava

Nos restantes dezassete versos dá-se uma lição de grandeza.
Fernando Alves Guerra, Sinais, 2014

domingo, 3 de fevereiro de 2019

INVERNO

Apagou-se a fogueira.
Que frio na lareira
Do coração!
Neva
Na solidão
Da vida.
Como ardias outrora,
Nos dias de ventura.
Não me deixes assim
Nesta algidez de morte prematura.

 E o vento traz e leva
Um recado de eterna despedida.


Amor! Amor!
Sei ainda o teu nome redentor,
Chamo ainda por ti a cada hora!
Arde outra vez em mim
Miguel Torga, 
Coimbra, Janeiro, 1978

sábado, 2 de fevereiro de 2019

CINCO ANOS A «PECAR»



Passaram cinco anos! 

Centenas e centenas de textos escritos, muitos temas debatidos, muita informação comentada, interessante partilha de conhecimento e uma interação cada vez maior com o leitor. 

Com a passagem do tempo, não se alteram apenas as circunstâncias, mas também a perceção que temos sobre a realidade, os outros, a importância que o debate de ideias tem na vida. 

Embora sinta que, hoje, há menos disponibilidade mental e afetiva para, de uma maneira pura, debater ideias, conceitos, projetos ou simplesmente a estética do gosto, continuo a pensar que um blogue, este blogue, é um magnífico espaço para partilharmos conhecimentos, opiniões, estado de alma, posições sociais, políticas, culturais e até filosóficas. Sempre com elevação, porque o outro merece o nosso melhor. 

Jorge Palma canta que “enquanto houver estrada para andar, a gente vai continuar”. A estrada não tem fim, por isso resta-me desejar que todos mantenham vivo o desejo de continuar.
Venham mais cinco!

Gabriel Vilas Boas