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sábado, 22 de maio de 2021

A MULHER CONTINUA A COMER E A CALAR

 

Quando um homem chega a tribunal acusado de agarrar a sua mulher pelo pescoço e a arrastar até ao carro, na sequência de outros episódios de violência sobre a companheira, e um tribunal acha que o deve absolver do crime de violência doméstica porque o sujeito "não teve crueldade, insensibilidade desprezo", algo vai muito mal entre os juízes e juízas portuguesas. 

Absolver um homem que agride e ameaça a mulher, ameaça a polícia e se dá ao luxo de nem comparecer em tribunal para ouvir a sentença é escarrar no mais elementar conceito de justiça e erguer um monumento ao crime e à animalidade nas relações domésticas. 

O homem vinha acusado de dois crimes evidentes, dos quais nunca se arrependeu, mas a juíza do tribunal de Paredes tratou de construir a sua defesa, de uma maneira tão absurda e ofensiva do bom senso que deixou os portugueses abananados, tal como já tinha acontecido com a decisão do juiz Ivo Rosa, no caso de José Sócrates.

Para esta juíza, um sujeito dar-se ao luxo de pedir o nome dos guardas que o prendiam em flagrante delito, para lhes tratar da saúde posteriormente, além de lhes chamar cobardes, não configura nenhum crime. Foi só desabafo. Pudessem assim fazer todos os condenados por juízes portugueses quando os tribunais os condenam à prisão.

Irrelevante, para esta juíza de Paredes,  foi também o facto do energúmeno ter obrigado a companheira a pedir ajuda à GNR, um ano antes de a agredir em plena via pública e na presença da guarda, para entrar na própria habitação a fim de retirar os seus pertences, antes de se refugiar, com os filhos, em casa de familiares.

Chocante e um gozo, a a declaração da juíza, na sentença, dizendo que a conduta do sujeito que ela absolveu seria um crime de crime de ofensa à integridade física da mulher, mas que não podia condenar o menino porque não tinha havido queixa da mulher. A pergunta que se coloca é «Para quê?», se a juíza acha que agarrar um mulher pelo pescoço e metê-la à forma dentro de um carro, não é violência doméstica? Não é óbvio que esta mulher estava sob ameaça? Ameaçada pelo marido, coagida por um sistema judicial que não a protege, mas antes a expõe e ameaçada por uma mentalidade que a faz ter pena do agressor, lembrando o síndroma de Estocolmo.

A incompreensível decisão da juíza apenas veio confirma a triste sina de muitas mulheres portugueses: é comer e calar, porque para a próxima pode ser pior. 

GAVB 

domingo, 16 de maio de 2021

SER MÃE NÃO É UMA PROFISSÃO NEM UM DEVER, MAS UM DIREITO


Muitas mulheres consideram a hipótese de serem mães, mas acabam por não concretizar essa intenção ao considerarem os vários constrangimentos que terão de enfrentar. 

Muitos de nós pensam nas condicionantes económicas, que são ponderosas num país como Portugal, mas acho que a questão está para além do dinheiro. 

Há as condições laborais  pouco amigáveis, a  falta de apoio social, o medo da facilidade com que os relacionamentos se desmoronam ou se tornam infernais. 

Ainda que o nascimento de um bebé seja um momento único de felicidade, rapidamente a mulher sente o peso do dever, que a faz tantas vezes encarar a maternidade como uma profissão, onde não pode falhar. 

Antes de mais convinha recordar que o nascimento de um filho é uma responsabilidade partilhada pelo pai e pela mãe (não uma profissão, não um dever). Depois, acho que seria interessante, enquanto sociedade, começarmos a trabalhar a ideia de que a maternidade / paternidade é um DIREITO.

E sendo um direito, a sociedade não faz nenhum favor à mulher ou ao homem que desejem ser pais criar-lhes as condições laborais, sociais, económicas e mentais para que esse possa existir. 

Hoje, quando uma jovem mulher decide ser mãe é olhada com um misto de comiseração ou desdém, como se fosse uma tonta por estar a abdicar da sua juventude, da sua liberdade, do seu conforto material. Ainda que não totalmente, infelizmente está, mas não é tola nenhuma.

 E é contra esta maneira de pensar e construir o  papel da mãe (e do pai) que temos de lutar enquanto sociedade. 

A mulher tem de sentir que ser mãe é um direito como outro qualquer, que ela exerce ou não, conforme a sua escolha, mas que exercendo-o não terá muros visíveis ou invisíveis para transpor. 

A maternidade é uma escolha pessoal, mas, para ser verdadeiramente livre e responsável, exige um outro enquadramento de mentalidade, pois é a mentalidade que molda e transforma as sociedades.

GAVB 

sábado, 15 de maio de 2021

MÁ INFLUENCER

 


poucos dias, um casal de influencers comunicou aos seus influenciados que, afinal, já não ia adotar uma criança tailandesa, como planeava, porque foram informados que não podiam expor o rosto da criança, nas redes sociais, durante o primeiro ano da adoção. Sorte da criança, pois, apesar de não ganhar uns pais adotivos tolos, não perdeu o estatuto de ser humano. 

Na  sua superficialidade, este casal confessou o que os move: a publicidade, a imagem, a aparência. Ia adotar uma criança tailandesa, porque isso lhe pareceu bem para a sua imagem de influencers e de youtubers, e não porque quisessem ser pais tivessem  ou um genuíno desejo de cuidar daquela criança. 

Os influencers são uma das imagens de marca da sociedade do século XXI, que assume a imagem e a aparência como conteúdo fundamental. Faz-se isto ou aquilo porque supostamente é cool ou alguém tipificou aquela atitude como "de grande valor social". 

Um influencer vive mais do desejo de reconhecimento do outro do que da vaidade própria. Há um absurdo desejo de ser reconhecido, amado, considerado, que se aceita seguir tendências, gostos ou atitudes dos outros acriticamente e que nada têm que ver connosco. Aceita-se sem pensar e sem sentir. Aceita-se ser carneiro com o sonho de um dia ser pastor do rebanho, sem pensar que está na coragem de seguir o seu próprio estilo o  caminho para ser definido como único, admirado e considerado.

Não sei que futuro terá aquele bebé, mas sei que, para já, não desceu ao estatuto de «coisa fofa», pronta a render muitos likes, muita publicidade a marcas de roupa de bebé, muitas ideias tolas sobre qual deve ser o papel de um pai ou de uma mãe.

Gabriel Vilas Boas  

domingo, 9 de maio de 2021

MOURINHO - O GENERAL NO SEU LABIRINTO

 


Mourinho é uma das figuras mais admiráveis que Portugal contemporâneo já exportou. Eduardo Lourenço, pouco dado a  efusões da bola mas sensível à pegada  de um português pelo mundo, chamou-lhe o nosso Bonaparte.

Acontece que o tempo não faz descontos a ninguém - muito menos a um Bonaparte - e o declínio é patente. Depois do United, escrevi que Mourinho jogava uma cartada de alto risco ao treinar Tottenham, um clube rico mas sem poder contratar jogadores de topo por se ter empenhado a paga um estádio novo. Mas, num novo fôlego, talvez pudesse descobrir um filão qualquer, como o fizera no Porto ou na primeira passagem pelo Chelsea, ou no Inter, quando desafiava a ordem instalada com a confiança dos competentes e a ousadia dos heróis. 

Ora, se há coisa que os clássicos ensinam é que, mais à frente, os heróis acabam por pagar o preço das alturas. Os gregos chamam-lhe hubris. Mourinho perdeu o dom de transformar barro em porcelana, seja porque mudou seja porque a mentalidade dos jogadores também mudou. Tudo muda cada vez mais depressa. Hoje, para dirigir uma equipa, não chega ter um currículo vencedor. 

Os jogadores vêem-se com artistas de cinema, já não morrem em campo pelo treinador nem pela equipa, apenas pela carreira - desde que não magoe muito. Acabou o jogador-adepto, os profissionais mantêm vínculos com colegas de outros clubes via twitter - veja-se o exemplo de Sporar no Braga ou de Marcelo e Hazard no Real Madrid, que tanto irritaram os adeptos. O paradigma alterou-se para acompanhar o processo industrial. Ainda por cima, nas equipas de Mourinho, os jogadores não se divertem a jogar. O sistema é tão desenhado para a vitória que resultou numa sensaboria derrotista.


Na segunda passagem pelo Chelsea, Mourinho já tinha lido mal os sinais dos tempos ao chocar contra a médica Eva Carneiro. No Tottenham, respondendo a uma repórter sobre a ausência de Bale, e deu-se ao desplante de dizer que a pergunta era boa, mas ela não merecia uma resposta.

Tornou-se aí claro que, se alguém não merecia resposta a uma boa pergunta, e deixando transparecer que a razão era ter sido feito por uma mulher, então o seu crédito em Inglaterra tinha chegado ao fim.

Agora desceu outro degrau ao assinar pela Roma. A cidade saudou-o num excelente mural neorrealista, com Mourinho conduzindo uma lambreta com cachecol vermelho ao pescoço. É outro recomeço auspicioso, como no Tottenham. O pior virá depois. Para o baço Calcio, será um tónico ter espetáculo de uma lenda tentando reencontrar a porta do passado glorioso, enquanto a hubris apresenta a sua conta com juros de mora. 

Desejo-lhe que, se não puder ser o Bonaparte de Eduardo Lourenço, não seja a personagem de um livro de Gabriel Garcia Marques -  o General no seu labirinto.  

                                                                                              Carlos Tê