De todas as burlas do mundo moderno, a mais perigosa é o casamento.
O e-mail do príncipe da Nigéria engana pouca gente e a polícia avisa constantemente para as páginas falsas que pedem dados bancários para roubar o nosso dinheiro. Mas a prevenção contra o casamento é quase inexistente. E, no entanto, a conspiração é complexa e global.
Quem casa as pessoas são os padres - que, convenientemente, não são casados e, por isso, não sabem o que o casamento é. Se fossem casados, seria muito improvável que pudessem celebrar casamento e, ao mesmo tempo, respeitar a regra de ouro: não faças aos outros o que não gostarias que te fizessem a ti. Normalmente, os padres são entusiastas do casamento. É o mesmo que ser instrutor de para-quedismos sem nunca ter postos os pés num avião. Primeiro, vá saltar, experimente o terror, a aflição, a sensação de passar a vida inteira sem poder conviver intimamente com outras para-quedistas apetitosas (talvez esta não seja a melhor metáfora), e depois venha fazer campanha a favor do para-quedismo.
Um dos problemas do casamento é a impossibilidade de cumprir a promessa que nos pedem para fazer no altar: jurar amar esta pessoa para sempre.
A questão não é essa. Formulada assim, faz parte do logro. Até posso estar convencido de que vou amar esta pessoa para sempre. O problema é que esta pessoa não vai ser esta pessoa para sempre. A pessoa com quem nos casámos há vinte anos é muito diferente agora. Há fotografias que o documentam. E não é só a aparência, é o resto também. Mudou de gostos, de ideias, até de carácter. Já não é a mesma pessoa. Ou seja, vinte anos depois, estamos a cometer adultério (esta é a parte positiva; adultério é excitante). Mas, na verdade, com a mesma pessoa (essa é a parte negativa; o adultério é muito mais compensador se não for praticado com o cônjuge).
O que acontece é que casamos com o navio de Teseu. Conhece esse paradoxo? Para preservar o navio, vamos substituindo as partes degradadas por outras. Pomos um convés novo, mudamos os remos, trocamos os mastros. A certa altura, nenhuma das peças iniciais do navio de Teseu subsiste. Mas continuamos a chamar-lhe «o navio de Teseu». Será que podemos? Há vários perspetivas. A minha é: talvez não, porque o navio de hoje já nada tem a ver com o que conhecemos no início. A da minha mulher é: cala-te e vai lavar a loiça. E é capaz de ter razão, porque a verdade é que quando a conheci já era um bocado desagradável.
Ricardo Araújo Pereira, in Idiotas Úteis E Inúteis
Este artigo também fala daquilo que não sabe. Pela igreja, pode ser casado por um diácono e há imensos que são casados!
ResponderEliminarAssisti a vários casamentos por um diácono (casado) em que falava precisamente dos desafios e da experiência de casado e com 3 filhos...