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segunda-feira, 13 de abril de 2020

O ENFERMEIRO PORTUGUÊS

Luís Pitarma é o enfermeiro português do momento. Não presta serviço em Portugal, não ajudou a salvar uma quantidade inusitada de vítimas do Covid 19, mas cometeu a proeza de tratar tão bem o primeiro-ministro inglês Boris Johnson que recebeu deste um merecido elogio público.

Em Portugal, durante as últimas horas teve honras de herói nacional e até Marcelo Rebelo de Sousa resolveu telefonar-lhe. 
Sinceramente, acho todo este mediatismo, em especial o telefonema do Presidente da República português, uma enorme parolice. 

A culpa não é, obviamente, do jovem enfermeiro português, que fez o seu trabalho, como milhares de outros colegas seus,  tratando Boris Johnson com o mesmo cuidado e profissionalismo com que tratou centenas e centenas de outros pacientes. Se ninguém desejava mal a Boris Johnson, apesar de discordar das suas atitudes iniciais face a este pandemia e face ao papel que o Estado deve ter na saúde pública, porque a humanidade se sobrepõe a qualquer ideologia ou consideração pessoal, também é tonto fazer da pessoa que o ajudou a recuperar um herói. 

Luís Pitarma é, provavelmente, um profissional exemplar, mas fazer dele um herói é insultar o esforço desumano que milhares de colegas seus têm feito nas últimas semanas para salvar vidas. 
Também me parece intelectualmente desonesto falarmos dos magros salários dos enfermeiros (que realmente são magros), face a outras profissões ou até a enfermeiros de outros países.  


Os enfermeiros portugueses ganham mal face aos ingleses? É verdade, como acontece com o mecânico, o padeiro ou o homem da recolha do lixo. Todos estes são importantes, muito importantes. Felizmente, a grande maioria de nós tem a inteligência para o perceber sem que seja necessária qualquer crise sanitária ou alimentar. 
Discutir quem é mais importante, quem é mais essencial, em alturas como esta, é ter um discurso à Trump, Johnson ou Bolsonaro. Cria uma estratificação social que tanto dizemos combater mas que tanto impulsionamos. 

Isto não quer dizer que não precisemos de fazer alterações, porque precisamos de as fazer, mas não agora, nem ditadas por impulsos afetivos e psicológicos.
Daqui a pouco tempo, teremos de discutir a economia. Esse será o momento de discutir o salário dos enfermeiros, dos padeiros, das assistentes de clínicas, dos técnicos da segurança social e muitos outros. Apenas temos de ter a consciência de que o país já está mais pobre e endividado do que estava há dois meses, que os patrões têm menos dinheiro para salários e alguns deles não têm mesmo possibilidade de continuar a atividade económica. 
É com base nisso, e não naquilo que gostaríamos que fosse, que teremos de fazer as nossas opções e sugestões. 

Quanto ao enfermeiro Luís, teria sido melhor que apenas fosse um símbolo do bom serviço que os enfermeiros estão a prestar à população em todos os países no mundo. E isto ter sido o suficiente porque é uma grande honra servir o outro.
Gabriel Vilas Boas

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