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quarta-feira, 20 de maio de 2020

A HUMANIDADE NÃO DEU CERTO

Flávio Migliaccio não aguentou mais a desumanidade que tomou conta do Brasil, em tempos de pandemia, onde o vírus Bolsonaro consegue destruir mais rápido a alma de um povo do que a letalidade da COVID-19. 
Flávio suicidou-se. 


Depois de uma vida tão longa e tão bela, fazendo rir e chorar milhões de pessoas por todo o Brasil, acabou os seus dias em sofrimento de alma, vendo um país trespassado pela desumanidade de um maluco, que desprotegeu o seu povo, a ponto de hospitais fecharem portas, por falta de capacidade para acolher mais infetados com o corona vírus.
Imagino a angústia do velho Migliaccio nestes dias de treva profunda, onde nenhum prémio, nenhuma recordação doce de tantos momentos de glória foi suficentemente forte para o impedir de partir. 

Suicidou-se por absoluta incapacidade de continuar a ver tanta crueldade e desumanidade. Deixou-nos uma carta amargurada, onde descrê totalmente da humanidade, onde lamenta o hálito putrefacto a ditadura militar que nauseia o Brasil de Bolsonaro.
A morte de Flávio calou fundo no mundo artístico e social brasileiro, com Lima Duarte a fazer questão de lembrar a todos os que lavam as mãos desta morte, de todas as mortes evitáveis da Covid-19, o fazem numa bacia de sangue.
Deve ter sido por isso que Regina Duarte resignou ao seu cargo na Secretaria da Cultura, depois de tão ignóbeis e despreziveis afirmações nas últimas semanas. 
Flávio não foi fraco, Flávio não foi cobarde, foi apenas coerente com o seu sentido ético. A grandeza do seu coração talvez não merecesse continuar a ver tanta ignominia.   

GAVB

terça-feira, 19 de maio de 2020

EU


Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada ... a dolorida ...

Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida! ...

Sou aquela que passa e ninguém vê ...
Sou a que chamam triste sem o ser ...
Sou a que chora sem saber porquê ...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!


Florbela Espanca

terça-feira, 5 de maio de 2020

UMA LÍNGUA DE MUITAS PÁTRIAS


Há muito que o português é uma língua mundial. Em número de falantes só é suplantada pelo inglês, francês e espanhol, o que só por si fala do valor que a língua de Camões, Pessoa, Jorge Amado ou Pepetela têm no planeta.
Desde do 2019, o dia 5 de Maio passou a ser o Dia Mundial da Língua Portuguesa.

O melhor império é o da língua.  
Sentir que milhões de pessoas, espalhadas por vários continentes, se sentem em casa quando dizem «Mãe», «Obrigado», «Saudade» devemos encher de orgulho pela nossa História.

Esse orgulho constrói-se em cada dia, pelo prazer de falar bem português, pela vontade de elevar  aqueles que cultivam o português como a sua língua, pela defesa da nossa maneira de contar histórias, de abordar a realidade, de definir conceitos.

Há uns tempos, no centro de Madrid, um extraordinário guia turístico contou-me sobre a sua intenção de aprender português. Aprender o encanto das palavras, a sua musicalidade e doçura. Surpreendeu-me num espanhol tal desejo, mas hoje cada vez mais europeus se apaixonam pela nossa língua e até chefes de estado ou de governo fazem questão de se dirigir aos portugueses na nossa língua.

A língua portuguesa é  maior património da lusofonia. Precisamos de a tratar melhor. Dentro e fora da CPLP. Precisamos de ter orgulho em falar, de cantar em português, de discursar em português. Devemos fazê-lo sempre que possível e sem vergonha, porque somos uma língua de muitas pátrias e povos, com história, com passado e sobretudo com muito futuro.

Gabriel Vilas Boas

quinta-feira, 30 de abril de 2020

GOVERNO DEPOSITA FUTURO DO PAÍS NAS MÃOS DOS PORTUGUESES


O governo deu ordem de desconfinamento gradual, a partir do início da próxima semana. Um anúncio tão aguardado como temido.
As condições mínimas de higiene e segurança parecem alcançadas, ao mesmo tempo que a economia pública e privada dá mostras de não aguentar muito mais. E é sobre isto que precisamos todos de pensar.

Durante sete semanas o governo "pagou" grande parte do confinamento a que obrigou a sociedade portuguesa, mas o dinheiro está a acabar. Não há mais nem haverá mais. Durante este mês e meio controlou satisfatoriamente a situação, contando com a ajuda de todas as forças partidárias, dos órgãos de comunicação social e, sobretudo, com a postura adulta e consicente da população. 

Até agora bastou estar quieto e ficar em casa. A partir de agora aumenta o nível de responsabilidade individual e coletiva. 
Adianta pouco "dar bitaites" sobre o que os outros têm que fazer, mas é fundamental ter uma atitude PESSOAL proativa de defesa face ao vírus.
Quem não apanhou o vírus até agora também pode continuar sem ele, basta ter a atitude pessoal certa: distância social, higiene, uso de máscara, redução das saídas ao mínimo indispensável e não ao prazer pessoal de cada um.

Se fecham mais ou menos empresas, se haverá mais ou menos desemprego, se os impostos aumentam ou ficam assim, se os salários baixam muito ou pouco, se haverá novo confinamento durante Junho, Julho e Agosto, se o próximo ano letivo será em casa ou nas escolas ____ tudo isso vai depender exclusivamente da atitude dos portugueses, ou seja, da minha atitude e da tua atitude.

Não vale a pena culpar o governo porque "abriu" o país cedo de mais, porque era melhor assim ou assado. Quem for inconsciente e tolo tanto o é agora como daqui as três semanas, como quem for sério, responsável e tiver a noção do que está em jogo (liberdade, emprego, salários, saúde, vida e morte...) também não precisa de mais avisos ou informações.

o país sempre teve excessos de treinadores de bancada. Agora são todos chamados a jogo. Não para treinar irresponsavelmente os outros, mas para jogar. A próxima jogada é nossa e ela nunca foi tão decisiva.

Gabriel Vilas Boas

segunda-feira, 27 de abril de 2020

YOUR LIFE IS YOUR LIFE


Your life is your life
don't let it be clubbed in dank
submission.
be on the watch.
there are ways out.
there is light somewhere.
it may be not much light but
it beats the darkness.
be on the watch.
the gods will offer you
chances.
know them, take them.

you can't beat death
in life,
sometimes.

and the more often you
learn to do it,
the more light there will 
be.

your life is your life
Know it whole you have 
it.
your are marvelous
the gods wait to delight
on you. 

Charles Bukowski



domingo, 26 de abril de 2020

UM CARTAZ NAZI NA AMÉRICA DE TRUMP

Defender a vida é uma verdade de La Palice, por isso o mundo parou para tentar estancar os efeitos do COVID-19. 
No entanto há sempre quem ache que está acima da morte e prefira defender o risco absoluto porque a economia não pode parar.
Além dos milhares de mortos, em consequência da pandemia do COVID-19, o pior desta semana foi o cartaz de uma manifestante norte-americana anti-isolamento social, que passou numa televisão dos EUA, quando uma repórter fazia um direto de Nashville: "Sacrifiquem os fracos"!

Lembrei-me imediatamente do ideal nazi de Hitler. É triste vê-lo na América George Washington, Thomas Jefferson, Theodore Roosevelt, Abraham Lincoln, mas não é totalmente surpreendente vê-lo numa América que elegeu Donald Trump.

Apesar de toda a educação, de toda a evolução científica, de todas as viagens, de todas as lições da História, ainda há muita gente que não saiu da era da bestialidade. 

SACRIFICE THE WEAK  não é um caso isolado, não é uma ideia de um tarado, mas uma cultura de morte que cresce sorrateira dentro desta economia global, onde as pessoas interessam pouco. 
Passámos o século XX com regimes totalitários, de esquerda e de direita, que vendiam uma espécie de elixir da sociedade perfeita. Tivemos de viver anos para os derrotar, para derrubar os muros que eles criaram entre pessoas que se amavam, povos que se queriam conhecer, gerações que não puderam passar testemunho.

Hoje vivemos, supostamente, melhor, especialmente porque o totalitarismo se refinou: passou do ideologia política para um dos piores pecados da humanidade: a ganância. 
Toda a gente devia saber que o ganancioso passa a vida a sacrificar os mais fracos. 

Gabriel Vilas Boas

sexta-feira, 24 de abril de 2020

RETRATOS & TRANSFIGURAÇÕES

Esta fotografia, tirada pelo meu amigo e artista Antero de Alda, é a capa do livro Retratos & Transfigurações, da editora Fábrica da Poesia, 2015, e nele podemos ver como o Antero captou o rosto de gente anónima, onde a solidão, a angústia, o desespero, outras vezes o abandono estão retratados, de uma maneira extraordinária.

Hoje, retirei da estante este magnífico fotolivro para sentir novamente toda a humanidade que o Antero colocava em cada uma das suas criações. Fotografou dezanas de pessoas, esquecidas nos penedios de Trás-os-Montes ou nas planícies alentejanas, captando, como poucos, uma beleza derrotada pelas agruras de  vida.
Antero de Alda gostava muito de citar uma frase de Agostinho da Silva, "A vida para a arte é sempre breve, só quando não se faz nada há sempre tempo".
Ele criou imenso e de várias maneiras. 
Sinto imensas saudades dele! Da sua forma sensível de fotografar aquilo e aqueles em quem ninguém já rapara; da sua generosidade artística, da fraternidade dos gestos.

Olho com atenção as fotos deste livro, uma por uma, onde quase não há palavras... apenas rostos de gente cansada, triste, mas que transporta em si uma história, uma vida, uma memória que também é a história e a memória de um povo.

Termino com um excerto do poema Transfiguração, de Miguel Torga, que o Antero escolheu para abrir o seu livro.

Tens agora outro rosto, outra beleza: 
um rosto que é preciso imaginar,
e uma beleza mais furtiva ainda...
Assim te modelara, caprichosas, 
mãos irreais, que tornam irreal
o barro que nos foge da retina.

(...) Neste novo encanto 
te conjuro 
que permaneças.
Nenhum mito regressa...
Todas as deusas são mulheres ausentes.