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sexta-feira, 27 de setembro de 2019

NÃO HÁ PLANETA B NEM C

É bom que os jovens que hoje saíram à rua, nas principais cidades portuguesas, numa ação concertada pela clima, percebam que mais importante que protestar é agir. E que essa ação cabe-lhes, antes de mais, a eles. 

Contar com a geração dos pais ou dos avós para salvar o planeta será pouco mais do que uma perda de tempo, pois foi essa geração que trouxe o planeta até perto do abismo. 
Todas as revoluções (industriais, tecnológicas, energéticas) foram feitas à custa da degradação ecológica, hipotecando o futuro das gerações futuras. Por isso contar com essa gente para o que quer que seja é naïf. Se não atrapalharem já é lucro. 


O que podem e devem fazer os jovens? Manifestar-se é apenas o primeiro patamar. Agir é muito mais importante. 

E agir é adotar um estilo de vida que privilegie as energias verdes, os materiais recicláveis, a alimentação natural. 

É eliminar o conceito do plástico descartável, do automóvel para curtas deslocações, do desperdício alimentar, da troca de telemóveis todos os anos, do uso e abuso do papel. 

É ter a noção que é preciso abdicar de algum conforto «agora» para não não ter de viver em permanente desconforto daqui a dez ou vinte anos. 

Os jovens, que agora começam a pôr as mãos no mundo, entrando nas empresas e em cargos diretivos, ou pensam no coletivo ou não terão direito a nenhum futuro. 
A única maneira de contrariarem os desmandos egoístas de uma geração «self-made man», que se fez à custa do Planeta, é fazer diferente. 
Sem perder tempo a tentar mudá-la, mas simplesmente implementar um paradigma diferente. Isso significa viver «pior» durante uma ou duas décadas, até a maioria perceber que o pior de hoje é a única maneira de nos mantermos vivos sem precisarmos de uma máscara de oxigénio.  
GAVB    

sábado, 14 de setembro de 2019

GOVERNO AUTORIZA DOIS CURSOS A ESCOLA ONDE JÁ NÃO HÁ ALUNOS


Parece uma notícia retirada do jornal “Inimigo Público”, mas infelizmente não é uma peça de humor.

A portaria 274/2019, publicada em Diário da República de 27 de Agosto aprova dois cursos (Telecomunicações e Redes; Cabeleiro e Assessoria de Imagem) para uma Escola (Instituto Educativo de Souselas - Coimbra) onde já não há alunos, onde já nem escola existe.

O diploma publicado regulamenta os dois cursos, define regras e respetivos procedimentos de operacionalização do currículo, assim como a avaliação e e certificação das aprendizagens.

O problema do diploma é que demorou mais de quatro anos a chegar e obviamente os candidatos foram às suas vidas. Quatro anos é uma legislatura, todo o período temporal que este governo, este ministério da educação durou. O verdadeiro cúmulo da burocracia!

Entretanto o insólito facto só é notícia no Jornal das Beiras, porque os jornais de referência, em Portugal, acharam que era mais importante falar da lei das casas de banho e não tratam de confrontar o Ministro ou os Secretários de Estado com esta anedota administrativa que os define tão bem.

O dia-a-dia da Educação em Portugal é também feito destes atrasos incompreensíveis, de coisas que se prometem mas nunca se cumprem, de ordens e diretrizes para aqui e para acolá, que apenas servem para disfarçar a incompetência de gente burocrata que não tem a noção do tempo e da urgência de certos procedimentos, mas é capaz de aprovar um pedido de um morto feito há mais de 1500 dias.

sábado, 7 de setembro de 2019

FENPROF NÃO CONSEGUE COLOCAR A EDUCAÇÃO NO DEBATE ELEITORAL

Perdida a maior das batalhas, recuperação total do tempo de serviço, a Fenprof (maior organização sindical de professores) esmoreceu por completo. Parece que não há outros temas que preocupam os professores, mas há.

Começando pela carreira: o estrangulamento da progressão dos professores e educadores, em dois escalões nevrálgicos não seria matéria de luta e negociação?

Os professores deslocados não mereciam uma reivindicação acérrima e decidida, pelo pagamento de um subsídio de alojamento e transporte ou, em alternativa, pela disponibilização de casas camarárias, para habitação temporária, durante o período letivo?

É incrível como Mário Nogueira deixou que o sonso do primeiro-ministro tomasse a dianteira e sugerisse que ia resolver o problema /injustiça dos professores do 1.º ciclo que trabalham mais horas que os seus colegas do segundo e terceiro ciclos.
Nogueira não consegue explicar à opinião pública os perigos da municipalização da educação, implementada sorrateiramente pela máquina socialista. 
Em suma, A Fenprof não consegue trazer a Educação para o debate eleitoral.

Para todos os partidos, a educação é uma espécie de material radioativo, que preferem ignorar com receio de contaminação. 
No passado os partidos procuravam a opinião dos professores, faziam questão ter alguns em lugares de destaque nas suas listas. Hoje, fogem deles. Preferem não ter política de Educação, porque os professores querem sempre o mesmo. 

Essa imagem negativa que os professores têm na sociedade portuguesa resulta, na minha opinião, de dois erros crassos: manutenção do mesmo rosto sindical há vários anos; concentração reivindicativa na questão salarial. 
É preciso outra estratégia e novos dirigentes sindicais. Fazer da mesma maneira com as caras de sempre, só atrairá novas derrotas. E os professores estão cansados de perder.




terça-feira, 3 de setembro de 2019

A CAMORRA


Não seria necessário contar os mortos para compreender as economias da CAMORRA, porque são o elemento menos indicativo do poder real, mas apenas a marca mais visível e aquela que consegue de imediato fazer pensar com o estômago.


Começo a fazer a conta:
Em 1979 cem mortos;
Em 1980 cento e quarenta mortos;

Em 1981 cento e dez mortos;
Em 1982 duzentos e sessenta e quatro mortos;
Em 1983 duzentos e quatro mortos
Em 1984 cento e cinquenta e cinco mortos;
Em 1985 noventa e oito mortos;
Em 1986 cento e sete mortos;
Em 1987 cento e vinte e sete mortos;
Em 1988 cento e sessenta e oito mortos;
Em 1989 duzentos e vinte e oito mortos;
Em 1990 duzentos e vinte e dois mortos

Em 1991 duzentos e vinte e três mortos;
Em 1992 cento e sessenta mortos;
Em 1993 cento e vinte mortos;
Em 1994 cento e quinze mortos;
Em 1995 cento e quarenta e oito mortos;
Em 1996 cento e quarenta e sete mortos;
Em 1997 cento e trinta mortos
Em 1998 cento e trinta e dois mortos;
Em 1999 noventa e um mortos;
Em 2000 cento e dezoito mortos;

Em 2001 oitenta mortos
Em 2002 sessenta e três mortos
Em 2003 oitenta e três mortos;
Em 2004 cento e quarenta e dois mortos;
Em 2005 noventa mortos.

Três mil e seiscentos (3600) mortos desde que nasci. 
A Camorra matou mais do que a a Máfia Siciliana, mais do que a 'ndrangheta, mais do que a máfia russa, mais do que as famílias albanesas, mais do que a soma dos mortos feitos pela ETA em Espanha e pelo IRA na Irlanda; mais do que as Brigadas Vermelhas, do que os NAR (Núcleos Armados Revolucionários, grupo de extrema-direita) e mais do que todas as vítimas de Estado ocorridas em Itália.
A Camorra matou mais do que todos.
Vem-me à cabeça uma imagem: a do Mapa-mundi, que geralmente aparece nos jornais. Sobressai constantemente em alguns números do Le Monde Diplomatique um mapa que indica com um sinal de fogo todos os locais da Terra onde há conflito. Curdistão, Sudão, Kosovo, Timor-Leste. 
Acabo de lançar um olhar sobre a Itália do Sul. De somar os montes de carne que se amontoam em todas as guerras que dizem respeito à Camorra, à máfia, à 'ndrangheta, aos Sacristi de Puglia e aos Basilischi de Lucania.
Mas não há vestígio de clarão, não há desenhado nenhum fogacho.
Aqui é o coração da Europa. Aqui se forja a maior parte da economia da nação. Quais são as suas estratégias de extração, pouco importa.  
O que é necessário é que a carne para canhão permaneça atolada nas periferias, nos emaranhados do cimento e do lixo, nas fábricas clandestinas e nos armazéns de coca. E que ninguém faça sinal. Que tudo pareça uma guerra de bandos, uma guerra de maltrapilhos.  
Roberto Saviano, Gomorra

domingo, 1 de setembro de 2019

BATOM NO HOLOCAUSTO


«Eu não posso fazer uma descrição adequada do campo em que eu e os meus homens passaríamos o mês seguinte das nossas vidas. Era um local ermo e seco, tão despedido como um galinheiro. Cadáveres jaziam por toda a parte, alguns em enormes pilhas, outras vezes isoladamente ou aos pares, no lugar onde tinham caído.
Demorou um pouco a habituarmo-nos a ver homens, mulheres, crianças a sucumbir quando passávamos por eles e a deixarmos de ir em seu auxílio. Tínhamos de nos habituar depressa à ideia de que o indivíduo não contava. Sabíamos que estavam a morrer quinhentos por dia e que iam continuar a morrer quinhentos por dia, durante semanas, até que qualquer coisa que fizéssemos tivesse o menor efeito. No entanto, não era fácil ver uma criança asfixiar até à morte por difteria, sabendo que uma traqueotomia e os cuidados de enfermaria a salvariam. Vimos mulheres afogadas no seu próprio vómito porque estavam demasiado fracas para se virarem, e homens a comerem vermes enquanto seguravam um pedaço de pão, só porque tiveram de comer vermes para sobreviver e agora mal conseguiam ver a diferença.
Pilhas de cadáveres, nus e obscenos, com uma mulher demasiado fraca para se aguentar de pé, apoiando-se neles, enquanto cozinhava os alimentos que lhe tínhamos dado numa fogueira.
Homens e mulheres abaixarem-se em qualquer lado, ao ar livre, aliviando-se da disenteria, que descascava as suas entranhas.
Uma mulher de pé, nua, lavando-se com um pouco de sabão, num tanque, onde os restos de uma criança flutuavam.

Foi um pouco depois da chegada da Cruz Vermelha britânica, embora não possa ter ligação, que chegou uma quantidade enorme de batom.
Não era nada do que os homens queriam. Nós gritávamos por centenas e centenas de outras coisas, e não sei quem pediu batom. Mas desejava muito saber quem foi, porque foi uma ação de génio, de uma genialidade pura e completa.
Acho que nada fez mais por estes reclusos do que o batom. As mulheres deitadas nas camas, sem lençóis nem camisas de dormir, mas com os lábios de um vermelhos escarlate. Vi uma mulher morta, na mesa da autópsia, que apertava na mão um pedaço de batom. Por fim, alguém tinha feito alguma coisa para torná-las de novo indivíduos Elas eram alguém e não mais um número, que tinham tatuado no braço. Por fim, podiam interessar-se pela sua aparência. Aquele batom começou a devolver-lhes a sua humanidade.»

Relato do tenente-coronel Mervin Willett Gonin Dso, que estava entre os primeiros soldados britânicos a libertar Bergen-Belsen, em 1945