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domingo, 1 de setembro de 2019

BATOM NO HOLOCAUSTO


«Eu não posso fazer uma descrição adequada do campo em que eu e os meus homens passaríamos o mês seguinte das nossas vidas. Era um local ermo e seco, tão despedido como um galinheiro. Cadáveres jaziam por toda a parte, alguns em enormes pilhas, outras vezes isoladamente ou aos pares, no lugar onde tinham caído.
Demorou um pouco a habituarmo-nos a ver homens, mulheres, crianças a sucumbir quando passávamos por eles e a deixarmos de ir em seu auxílio. Tínhamos de nos habituar depressa à ideia de que o indivíduo não contava. Sabíamos que estavam a morrer quinhentos por dia e que iam continuar a morrer quinhentos por dia, durante semanas, até que qualquer coisa que fizéssemos tivesse o menor efeito. No entanto, não era fácil ver uma criança asfixiar até à morte por difteria, sabendo que uma traqueotomia e os cuidados de enfermaria a salvariam. Vimos mulheres afogadas no seu próprio vómito porque estavam demasiado fracas para se virarem, e homens a comerem vermes enquanto seguravam um pedaço de pão, só porque tiveram de comer vermes para sobreviver e agora mal conseguiam ver a diferença.
Pilhas de cadáveres, nus e obscenos, com uma mulher demasiado fraca para se aguentar de pé, apoiando-se neles, enquanto cozinhava os alimentos que lhe tínhamos dado numa fogueira.
Homens e mulheres abaixarem-se em qualquer lado, ao ar livre, aliviando-se da disenteria, que descascava as suas entranhas.
Uma mulher de pé, nua, lavando-se com um pouco de sabão, num tanque, onde os restos de uma criança flutuavam.

Foi um pouco depois da chegada da Cruz Vermelha britânica, embora não possa ter ligação, que chegou uma quantidade enorme de batom.
Não era nada do que os homens queriam. Nós gritávamos por centenas e centenas de outras coisas, e não sei quem pediu batom. Mas desejava muito saber quem foi, porque foi uma ação de génio, de uma genialidade pura e completa.
Acho que nada fez mais por estes reclusos do que o batom. As mulheres deitadas nas camas, sem lençóis nem camisas de dormir, mas com os lábios de um vermelhos escarlate. Vi uma mulher morta, na mesa da autópsia, que apertava na mão um pedaço de batom. Por fim, alguém tinha feito alguma coisa para torná-las de novo indivíduos Elas eram alguém e não mais um número, que tinham tatuado no braço. Por fim, podiam interessar-se pela sua aparência. Aquele batom começou a devolver-lhes a sua humanidade.»

Relato do tenente-coronel Mervin Willett Gonin Dso, que estava entre os primeiros soldados britânicos a libertar Bergen-Belsen, em 1945

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