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sexta-feira, 10 de setembro de 2021

OS GUINCHOS DA LEITÃO


 A ministra Alexandra Leitão volta a fazer furor. Mais uma vez pelos piores motivos, embora ao cidadão mais desatento ou simplesmente que  pensa apenas na sua vidinha e a dos outros que "se lixe", ela tenha estado brilhante.

Há poucos dias, num sábado (precisamente o dia em que quase todos os portugueses estão a trabalhar), a ministra foi alertada por um amigo, queixando-se que um utente estava há onze horas à espera, para ser atendido, numa loja do cidadão, por causa da emissão de um passaporte. Sem querer saber das razões, das circunstâncias do caso em concreto ou das explicações da responsável pela loja do cidadão, a ministra dirigiu-se à loja do cidadão em causa e deu uma descompostura à funcionária que estava atender um utente, para espanto de todos, pois fê-lo aos berros, e determinou que aquele utente, o do pedido de passaporte, tinha de ser atendido de imediato. 

Como é uma pessoa intelectualmente honesta, cumpridora da lei, que não exige aos subordinados aquilo que não é capaz de fazer, a ministra negou que tenha entrado aos berros pela loja do cidadão, que tenha imposto o atendimento a um amigo do amigo que se foi queixar do atraso do atendimento nas lojas do cidadão e conservatórias do registo civil. 

Ou seja, a ministra negou a grosseria, a humilhação que infligiu aos seus subordinados como nega que os serviços estão um caos por culpa do seu governo.

O público tem de conhecer os factos como eles são, avaliá-los e julgar com justiça. Não apenas atender ao seu caso, ao seu interesse momentâneo, naquele estilo "desde que resolvam o meu caso, ainda que tenha de usar uma cunha, quero lá saber do resto e dos outros."

Factos

1- O senhor não esperou 11 horas. A loja abre às 8.30h, as conservatórias às 9 horas. Mesmo que ele tivesse estado no atendimento desde o início, só às 19.30 ele podia fazer queixa à ministra que estaria há 11 horas à espera e só algumas horas depois a ministra conseguiria exercer o seu poder arbitrário. Se eu for para a porta de um serviço há cinco da madrugada e for atendido às dez horas, obviamente  o serviço público só me fez esperar uma hora para ser atendido e não cinco horas. 

2- As conservatórias e lojas do cidadão têm em falta, no mínimo, 1800 funcionários. MIL E OITOCENTOS! Ou seja, o governo diz que o quadro de funcionários é X, mas na verdade estão a trabalhar muito menos pessoas. Isto acontece porque, há  mais de dez anos, que o governo não repõe os funcionários que vão para a aposentação ou simplesmente abandonam os serviços. 

Um exemplo paradigmático: numa conservatória do registo civil, de uma cidade muito populosa nos arredores do Porto, há três anos havia três conservadores e sete funcionários. 

Hoje há uma conservadora (uma aposentou-se e outro concorreu para outra conservatória) e três funcionárias. Curiosamente, o Instituto dos Registos e Notariado atribuiu à única conservadora existente mais um trabalho: tratar dos  casos de nacionalidade dos sefarditas. Só esse trabalho ocupa a única conservadora duas  a três horas, por dia. Obviamente, muitos serviços como o cartão de cidadão ficam prejudicados. O cidadão que reclama sabe disto? Aprova esta gestão de quem manda nas conservatórias e lojas do cidadão?


3- Uma conservatória regista nacimentos, óbitos, organiza processos e celebra  casamentos, tira certidões de todo o tipo, trata de processo de nacionalidade, do pedido de passaportes, responde a emails dos utentes (trinta a quarenta por dia) e também faz e entrega cartões do cidadão. Para a maior dos utentes só faz isto.

4- Por exigência dos seus chefes, a conservadora ou uma funcionária tem todas as semanas de responder a inquéritos estatísticos sobre os seus serviços,  completamente inúteis, que ocupam em média três horas e ainda atrasam mais o serviço.

5- Cada funcionária têm a seu cargo dois ou três serviços diferentes e trabalha em média 9 horas por dia, ou seja, trabalha de graça duas horas por dia, que é como quem diz ou  44 horas por mês, ou seja, mais de uma semana em cada mês. Sabem quantas horas dá por ano? Quase 500!!!

6- Nas conservatórias de maior afluência, os funcionários são destratados, humilhados e insultados por alguns utentes que apenas querem tratar do seu caso, mesmo que isso seja à custa de passar à frente de toda a gente, muitas dessas pessoas com atendimento marcado há meses. É frequente a chamada da polícia para impor ordem mínima e assegurar a segurança dos funcionários ameaçados.

7- A cada dois/três meses, é normal uma funcionária "meter baixa" durante 15 dias, devido à exaustão física e psicológica... e o trabalho de dez, que quatro tentavam fazer debaixo de muita pressão e vários insultos, fica para três!

8- Particularizando o caso do cartão do cidadão: uma conservatória de média dimensão (como é o caso da Maia, Gondomar, por exemplo) apenas consegue colocar uma ou duas funcionárias com este trabalho. Tecnicamente, com todo o sistema informático a ter um bom desempenho, cada uma delas faz dois/três cartões por hora. Ou seja, a conservatória da Maia, Gondomar ou até Valongo consegue atender 18 utentes por dia, para o cartão do cidadão. Nalguns casos, pode duplicar. Em muitos destes sítios, as senhas às 9.30 h chegam ao número 50 ou 60!

9- Até Agosto, na sequência da pandemia, o atendimento nas conservatórias só era feito por marcação online.  Decisão do governo de Alexandra Leitão. Muitos utentes agendaram atendimentos para Setembro e Outubro. Quando questionadas as chefias sobre aceitação destas marcações, os funcionários das Conservatórias receberam resposta dúbias, mas o serviço central de Lisboa validou-as.


10- Há poucos dias, o governo da ministra Leitão publicou um Despacho que obriga todas as conservatórias e lojas do cidadão a fazer atendimento espontâneo, ou seja, quem chega à porta na hora tem de lhe ser atribuída senha e ser atendido. Nem que seja apenas uma ou duas senhas por dia. É como quem diz, para quem chegou às 8.30, ou no dizer de muitos utentes "de madrugada". Entretanto, há 18 pessoas ou mais, por funcionária, já com hora marcada para ser atendida, há várias semanas ou meses.

11- Obviamente, a maioria dos utentes não sabe e, pior, não quer saber disto para nada, a não ser que parte desta situação lhes calhe na pele, porque tem um familiar a trabalhar num destes serviços e vê o estado  psicológico lastimoso em que está.

12- À ministra Leitão e a todos os que lhe batem palmas, deixo um desafio simples: imaginem-se um dia funcionários de uma loja do cidadão, entrando às 8.30 e saindo às 19.30, seis dias por semana (só  não trabalham ao domingo, mas os conservadores nem isso, pois é raro o sábado ou domingo que não têm de ir a uma quinta celebrar um casamento, pagando gasolina e portagens do seu bolso). Imaginem que têm de cumprir não um serviço humanamente possível, mas aquilo que utentes e ministra acham que vocês têm de fazer. Na verdade, nunca seria menos de 30/40 cartões de cidadão / dia, por funcionária. Ou seja, 15 horas de trabalho por dia! Imaginem, ainda, que são insultados pelos utentes e destratados, em público, aos berros, pelos seus chefes. 

Se conseguirem fazer isto tudo, com um sorriso nos lábios, achando que os trabalhadores destes serviços são uma "cambada de malandros" que não fazem nada, o lugar é vosso. Podem começar amanhã. Daqui a alguns dias, podem contar com mais um utente para a fila das senhas. E quero ser atendido, nem que seja onze horas depois.

Gabriel Vilas Boas

    

domingo, 29 de agosto de 2021

PARA QUE SERVES TU ONU?


 

O que está acontecer no Afeganistão é profundamente triste e revoltante, especialmente porque altamente expectável. Particularmente chocante, para mim,  é aquilo que não se discute: a inação da comunidade internacional, que é como quem diz da ONU, neste processo de tomada de poder pelos talibãs.

Ninguém gosta dos talibãs mas também ninguém espera que mudem, por isso havia que ter sido prático e objetivo com os afegãos. A comoção e as lágrimas ocidentais são altamente hipócritas, pois esta situação era amplamente expectável há várias meses, precisamente desde que a administração Trump fez um acordo com os talibãs para a retirada dos soldados americanos do Afeganistão, à revelia das autoridades de Cabul.



Ora, toda a gente séria sabia perfeitamente o que aconteceria quando os americanos marcassem a data para a retirada após duas décadas de presença na região - os talibãs assumiriam rapidamente o poder. Houve tempo e modo de retirar do território afegão os 400 ou 500 mil afegãos que quereriam, por certo, abandonar o país. Mas não, deixou-se andar. 

De quem é a responsabilidade? Da ONU, antes de qualquer outra instituição. A organização dirigida pelo português António Guterres não tratou de ter um plano de contingência para a mais que certa crises humanitária no Afeganistão que vinha no calendário delineado por Trump e aceite por Biden. A casa comum das nações está transformada num peso morto, mastodôntico, que se limita a lamentar e condenar. 

A ONU tem de ser muito mais do que isso. Prever o que vai acontecer e encontrar soluções que protejam os direitos humanos, sabendo contornar os previsíveis direitos de veto dos hipócritas interesses dos países mais poderosos.   

Guterres tinha a obrigação de fazer melhor e não fazer-se de coitadinho. Muitas vidas perdidas e outras que se perderão inevitavelmente teriam sido salvas.

Gabriel Vilas Boas

segunda-feira, 9 de agosto de 2021

O BOM, O MAU E O PAROLO

 


A época que antecede qualquer eleição autárquica é sempre um altura em que o poder político revela o seu melhor e o seu pior, sem deixar de mostrar também o patético. Finalmente, aparece o dinheiro que não havia nos anos anteriores e as cidades tornam-se estaleiros de obras, procurando o poder autárquico mostrar trabalho feito, como se não tivesse havido três anos e meio para o realizar. É uma estratégia um pouco tola e algo dispendiosa, mas que a maioria dos políticos autárquicos aplica. Curiosamente nunca vi nenhum estudo de opinião questionar os cidadãos dos vários municípios portugueses se é uma estratégia adequada ou não, mas talvez interessa a quase todos manter o mistério sobre excelência da estratégia. 

Quanto a mim, não gosto de ver obras em ano de eleições quanto mais a dois meses de eleições. Acho que revela má consciência de quem sabia que devia ter trabalhado em tempo oportuno e não o fez, e demonstra também alguma falta de respeito para com os eleitores, pois toma-os por tolos, pensando «comprar o seu voto» com o tradicional foguetório de obras públicas, normalmente concentradas na sede do concelho.

Obviamente isto também se passa em Amarante, onde realmente faltavam (e continuam a faltar) alguns equipamentos públicos essenciais à população enquanto outros precisavam mesmo de ser remodelados. E foi isso que a Câmara  fez, acertadamente. Na recuperação de bairros sociais, na requalificação de equipamentos culturais, na facilitação rodoviária, na construção do trilho das azenhas. Opções certeiras, mas que deviam ter sido feitas e concluídas há mais tempo e jamais deviam estar a ser realizadas em tempo de eleições. 


No entanto não existem só coisas positivas. Algumas há até bastante negativas, umas por ação outras por omissão. A pior de todas: a construção de um parque de estacionamento na margem do rio Tâmega, bem junto à água. Contra toda a lógica de proteção e defesa do ambiente. Numa altura em que se quer restringir o trânsito automóvel dentro das cidades, Amarante constrói um parque de estacionamento para embelezar a margem do seu lindo rio. Inqualificável do ponto de vista ambiental, desnecessário para as necessidades de uma população habitual a rondar os dez  mil habitantes, um erro crasso para aquilo que se devia pretender para  o futuro da cidade e para o rio.

Esta medida é tão negativa que imensos amigos, vindos de fora da cidade, me questionam «Como é possível os amarantinos "deixarem" erguer uma coisa destas?! Como não se revoltam?!» 


Depois há o tipicamente parolo: os cassapos. no rio Tâmega. E logo o Tâmega que tem/tinha belas gaivotas e as tradicionais gigas que tão bem representavam  a cidade de Teixeira de Pascoaes. Em breve, Amarante será o gozo dos turistas, pelo menos, aqueles que tenham um bocadinho, só um bocadinho, de bom gosto e um pouco de conhecimento das tradições portuguesas e da cidade de Amarante. Estão a ver os cassapos na ria da Aveiro em vez dos moliceiros, não estão? Eu também não!  E duvido que o presidente da Câmara de Aveiro ou os aveirenses permitissem tamanho desaforo.

Uma palavra final para o que ainda ficou de fora e já devia estar feito há mais de duas décadas: um parque infantil público, no centro da cidade, totalmente dedicado às crianças; um pavilhão municipal com dimensões oficiais, de maneira a que a seleção nacional de voleibol ou de andebol ou de basquetebol ou de futsal pudesse disputar um jogo internacional na nossa cidade, algo nunca aconteceu. 


P.S. Amarante é uma cidade em transformação, para melhor, mas o seu atraso em relação às cidades vizinhas não permite erros nem parolices. Honrar compromissos não é mais do que a obrigação de uma pessoa de bem e portanto nada de mais para quem quer servir a causa pública. A cidade também precisa mais do que IMAGINAR, precisar de concretizar algumas ideias válidas e consensuais, mesmo que isso significa algum sacrifício político. Mais importante que quem faz é aquilo que se faz. 

Que seja útil, belo e reprodutor. 

Gabriel Vilas Boas

quinta-feira, 5 de agosto de 2021

CUSPIR NO OURO QUE COMEU



A maneira como alguns medalhados olímpicos recebem o tão almejado prémio do seu esforço, talento e trabalho, nos Jogos Olímpicos de Tóquio, está  a ser cruelmente revelador do seu carácter.

Recentemente, o inglês Ben Whittaker resolveu não colocar no peito a sua medalha de prata, porque o cubano Arlen Lopez cometeu a ousadia de ser melhor do que ele no combate de boxe olímpico, na categoria de meios-pesados (-81 kg). Sem o mínimo de consideração e respeito pelo seu colega cubano, o inglês declarou: “Não conquistei a prata, perdi o ouro!”. Sim, porque o ouro era dele, à partida, e os oponentes estavam em competição apenas para dar lustro à sua vitória.


A mesma cena triste já se tinha passado na final do Campeonato da Europa de Futebol, jogo que opôs a Inglaterra à Itália, em Londres, e decidida, favoravelmente, nas grandes penalidades, aos transalpinos. Na cerimónia da entrega de medalhas, os jogadores ingleses portaram-se de maneira indecorosa, ao receberem as medalhas de vice-campeões com enfado, retirando-as de imediato do pescoço como se fosse alguma coleira cheia de pulgas.

Nesta madrugada o português Pedro Pablo Pichardo garantiu a quinta medalha Olímpica de sempre para Portugal. Entre os muitos milhares que o felicitaram, alguns houve também que se referiram a Pichardo como o luso-cubano ou simplesmente «o cubano», exibindo um desprezo por alguém que decidiu pedir a nacionalidade portuguesa e se dispôs a competir, com todo o seu talento, debaixo da bandeira nacional. Só não disseram que voltasse para a terra dele, porque estavam interessados no ouro que brilhava no seu peito. Mesmo sabendo das afrontas, Pedro Pichardo respondeu com a elevação dos campeões: «Este ouro tem um significado muito grande, pois é a única forma de agradecer ao país que me apoiou desde o primeiro dia. Agradecer com medalhas e bons resultados.”

A dignidade e a nobreza de carácter são medalhas de ouro ao alcance de todos, mas nem todos a sabem conquistar. Uma pena que aconteça em Portugal, um país onde escasseiam medalhas olímpicas e das outras também.
Gabriel Vilas Boas

domingo, 1 de agosto de 2021

QUEM INVENTOU OS ÓCULOS?


Os óculos são dos poucos inventos produzidos durante a Idade Média. Das suas origens pouco se sabe, muito menos quem foi o seu inventor. Certezas, e relativas mesmo assim, só quanto à data: terá sido por volta do século XIII, algures na europa. Possivelmente, terá sido um invento anónimo, fruto da necessidade, desenvolvido e aperfeiçoado, depois, por várias pessoas. 

Eis alguns factos que ajudam a clarificar a história deste invento extraordinário. 

Um dos primeiros nomes nomes apontados é do frade inglês Roger Bacon, que teria delineado os princípios para a fabricação de lentes, na sua Opus Majus (cerca de 1266). Contudo, não existe qualquer prova que Bacon tenha posto as suas teorias em prática.


A pista seguinte vem de um sermão pregado em Florença por Giordano da Rivalto, um frade de Pisa, em 1305, em que refere que a arte de fazer óculos não teria mais de vinte anos. No mesmo ano, no livro  Lilium Medicina, Bernard de Gordon faz referência a uma loção que permitiria aos idosos ler sem ter que usar óculos. Uma outra crónica refere o nome de Alessandro Della Spina, um frade dominicano de Pisa, que morreu em 1313, que teria aprendido a arte de fabricar lentes de outra pessoa,  que não se menciona. Regista-se ainda o nome de Guy de Chauliac: na obra La Grand Chirurgie, refere-se o uso de óculos para casos em que a aplicação de uma loção se revele insuficiente. Isto é em 1363.


Há também representações visuais destes primeiros óculos. Há quem considere que esta primeira representação data de 1352, num fresco na Basílica de San Nicolo, em Treviso, no norte de Itália. Nesse desenho  surge o cardeal Hugo da Provença, usando um par de óculos em tudo parecidos com os atuais. No mesmo fresco surge também o cardeal Nicolau de Ruã, lendo um livro com um objeto em tudo semelhante a uma lupa. Alguns anos mais tarde, por volta de 1375, São Paulo é retratado usando óculos, numa iluminura francesa  da Bíblia. 

Na literatura aponta-se o nome de Franco Saccheti, que numa obra de ficção, de 1358, põe uma personagem a usar óculos.

Em suma, as certezas são poucas e as dúvidas são muitas. Certo é que os óculos são uma invenção anónima, possivelmente do século XII ou XIII, usados, e possivelmente inventados, em ambiente monástico, o que não admira, pois eram os conventos os grandes centros difusores da cultura na Idade Média.       

sábado, 31 de julho de 2021

O ESTILO E O GLAMOUR DE UNS COMEÇA NA ESCRAVATURA E INDIGNIDADE DE OUTROS

 


O premiado cartoon de Vasco Gargalo é um murro certeiro na nossa noção de dignidade coletiva. Nele, o cartoonista português desenha uma mulher elegantemente vestido e ao seu lado uma pessoa de joelhos a costurar esse vestido extraordinariamente glamouroso,  debaixo de uma máquina de costurar com o mapa do mundo.

Mais importante que o prémio da OIT e da ONG "Recursos Humanos Sem Fronteiras" é todos refletirmos no mensagem do desenho. O trabalho é fundamental, mas a escravatura é desprezível. E nenhuma circunstância justifica que nos aproveitemos das condições precárias de um povo, de um género ou de uma classe social para obtermos a um custo estupidamente baixo da mão de obra de um produto refinado e caro.

No negócio há espaço para o lucro e para a dignidade do trabalho. Essa dignidade repercute-se essencialmente no modo como é pago e nas condições de trabalho de quem o executa. Não há estilo nenhum numa joia ou num vestido ou nuns sapatos feitos por mãos escravas, ainda que essa escravatura não seja oficial. 

O  trabalho é feito por pessoas e para as pessoas. Se no processo, alguém vê a sua dignidade pessoal e profissional comprometidas, então o consumidor final não pode lavar daí as mãos como Pilatos. É ele que têm o poder de não pactuar com a degradação do ser humano. Não é uma questão de preço nem de "não tenho a nada a ver com isso". Temos  todos a "ver com isso", porque a defesa da nossa dignidade começa na defesa e dignidade daqueles que são extramente pobres e muitas vezes precisam de trocar um pouco da sua dignidade por um prato de sopa.

Gabriel Vilas Boas

quinta-feira, 29 de julho de 2021

PERCEBI QUE SOU MAIS DO QUE AS MINHAS CONQUISTAS

 Simone Biles, um nome, uma
mulher, uma personalidade a memorizar. Provavelmente, a História apenas anotará os seus feitos enquanto tetra campeã olímpica de ginástica e, numa pequena nota de rodapé, fará referência ao modo inusitado com decidiu abandonar o palco. É isso que hoje é notícia, mas não será isso que ficará nos livros de recordes. Pouco importa. Todavia importa refletir nas palavras e nos atos de Simone Bailes na hora  do adeus.

Depois de tantas e tantas conquistas, feitas de modo categórico, Biles chegou aos jogos olímpicos de Tóquio 2020 (2021) e decidiu desistir da final de All-around (final individual) e da prova por equipas, por não se sentir bem mentalmente.

Não é de todo normal uma atleta de alta competição tomar uma atitude desta magnitude, o que não quer dizer que não haja vários atletas a enfrentar graves psicológicos e físicos, enquanto disputam grandes competições, mas que decidem esconder, por vergonha, pressão exterior, por sentir que  a hipótese de uma medalha, um diploma, uma participação honrosa valem todos os sacrifícios, por mito dolorosos que sejam.

N verdade não valem. E Simone Biles aproveitou os seus últimos momentos de fama mediática para chamar atenção para o problema, fazendo-se, também aqui, um exemplo a seguir.


Diz Biles:

«Assim que piso o praticável, sou e e a minha cabeça a lidarmos com demónios. (...) Tenho  de fazer o que é melhor para mim e focar-me na minha sanidade mental e não comprometer a minha saúde e o meu bem-estar.»  

A clareza de Simone Biles é uma lição que devemos aprender. Treinadores, dirigentes desportivos, apreciadores de desporto ou meros cidadãos que admiram orgulhosamente os melhores atletas de cada modalidade. Por muito talento e capacidade física, desportiva e psicológica que eles possam ter, são antes de mais pessoas. Há limites que nunca devem ser ultrapassados, ainda que tal seja possível. Admiramos as suas performances porque elas são feitas por PESSOAS, não por máquinas. Cada pessoa tem direito a definir os seus limites e ninguém tem o direito a pedir-lhe que os ultrapasse por causa de uma medalha, um título, um honra, pois esta será sempre efémera e sobretudo de muito menor valor que a saúde e a dignidade pessoal do atleta.

 No seu Twitter, Biles resumiu o essencial.

«A onda de amor e o apoio que recebi fizeram-me perceber que sou mais do que as minhas conquistas e de que a ginástica, o que nunca verdadeiramente acreditei antes.»